sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O ESCÂNDALO DA CRUZ - Parte 2


29Os que iam passando, blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: Ah! Tu que destróis o santuário e, em três dias, o reedificas! 30Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!

31De igual modo, os principais sacerdotes com os escribas, escarnecendo, entre si diziam: Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se; 32desça agora da cruz o Cristo, o rei de Israel, para que vejamos e creiamos. Também os que com ele foram crucificados o insultavam.” (Marcos 15.29-32)


   A segunda parte da história mostra o desprezo completo que Jesus experimentou da parte de seu povo, fosse por aqueles que passavam em frente à cruz,  pelas autoridades ou pelos próprios bandidos ao seu lado. Primeiramente, os que passavam diante de Jesus o desprezavam, balançando suas cabeças, em cumprimento do Salmo 22.7 (cf. Lm 2.15), e o difamando (v. 29). As reivindicações de destruição e construção do templo por parte de Jesus devem ter circulado entre o povo, a ponto destas pessoas lançarem sobre ele tal desafio (cf. 14.58). “Se é tão poderoso assim para destruir e construir o templo, por que não é capaz de sair desta situação?!”. Isso, certamente, aumentava o sofrimento de Jesus, pois, a sua crucificação não era resultado de fraqueza, mas a disposição de abrir mão do uso de seu poder para oferecer salvação. O que eles não sabiam é que, ao ser crucificado, o templo que era o corpo de Jesus estava sendo destruído, para reconstruir um novo, depois de três dias (cf. Jo 2.18-22).

O uso do verbo blasfemeo evoca o texto de 14.64, em que Jesus é acusado de blasfêmia (blasfemia). O sumo-sacerdote condena Jesus por blasfêmia, mas quem de fato blasfema o Deus crucificado são os judeus que passam pelo caminho.

Pior do que o escárnio dos transeuntes, era a zombaria dos próprios líderes religiosos da nação. Eles não são diferentes dos soldados pagãos, por isso, assim como eles “zombam” de Jesus (o mesmo verbo grego nos vv. 20 e 31). Sem perceber confessam a sua própria dureza de coração diante dos milagres de Jesus: “salvou aos outros”. Um breve lampejo de reconhecimento é ofuscado pela incredulidade incorrigível de seus corações. Duvidam de seu poder para salvar, o ridicularizam por ser um “messias” subjugado pelos romanos e o desafiam a descer da cruz para que cressem nele. Mais uma vez, eles pedem um sinal, mas nenhum sinal lhes será dado por causa da incredulidade e dureza de seus corações (v. 31-32; cf. 8.11-13).

Não apenas os líderes judeus, mas os próprios criminosos que estavam ao lado de Jesus o insultavam. Eles sabiam da inocência de Jesus (cf. Lc 23.40-41) e não queriam se identificar com este apóstolo da paz. Por isso, o insultaram.

A mensagem da cruz é escândalo para os judeus e loucura para os gregos, mas para nós, os que cremos é o poder e a sabedoria de Deus (1 Co 1.21-22). Pessoas de todos os tipos rejeitaram Jesus e sua mensagem do reino. Não devemos nos admirar se também rejeitam a nós, portadores desta mesma mensagem. Anunciar o evangelho e ser testemunha de Cristo é aceitar a zombaria e a rejeição. Na cruz, um novo templo começa a ser refeito, não de pedras, mas de gente. Na cruz, um novo povo é formado, não de sangue, mas pelo Espírito de Deus. Na cruz a salvação acontece não na cura de pessoas, mas na morte do Filho. A cruz é um paradoxo. A aparente derrota, humilhação e dor, na verdade, resultam em vitória, glória e alegria. Jesus não fora subjugado pelos romanos, como pensaram os sacerdotes e escribas, mas semeara as sementes do novo reino de Deus.

Tomar a cruz, portanto, é um chamado à vergonha e humilhação, é um chamado a não ser entendido pelos outros, é um chamado à vergonha aparente, mas que implica numa glória invisível e eterna. Quantos de nós carregam as sua cruz no dia-a-dia? Quantos de nós se identificam com Cristo em sua rejeição? Quantos de nós sofrem desprezo de grandes e pequenos, ricos e pobres, por anunciarem e viverem a mensagem da cruz?

“Eu aqui, com Jesus, a vergonha da cruz,
Quero sempre levar e sofrer;
...
Sim eu amo a mensagem da cruz;
Té morrer eu a vou proclamar.
Levarei eu também minha cruz,
Té por uma coroa trocar”

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O ESCÂNDALO DA CRUZ

Um antigo hino cristão recitado por Paulo na carta aos Filipenses foi belamente parafraseado numa música, da seguinte forma:

“Tende em vós meus irmãos, o mesmo sentir que habitou em Jesus
Porque apesar de ser Deus jamais exigiu seus direitos reais.
Aqui assumiu porque quis a nobre missão de ser servo fiel
Sofreu os horrores de ser condenado e morrer imolado na cruz”

Outro hino, mais antigo, diz:

 “Desde a glória dos céus, o Cordeiro de Deus
Ao Calvário humilhante baixou
E essa cruz tem pra mim atrativos sem fim,
Pois Jesus nela me resgatou”

A cruz e a morte de Cristo sempre estiveram no centro do evangelho proclamado pelos primeiros discípulos e devem, também, ser o centro do evangelho proclamado por nós. A cruz implica em humilhação, dor e vergonha e é para a história da cruz que quero me dirigir com você:

24Então, o crucificaram e repartiram entre si as vestes dele, lançando-lhes sorte, para ver o que levaria cada um. 25Era a hora terceira quando o crucificaram. 26  E, por cima, estava, em epígrafe, a sua acusação: O REI DOS JUDEUS.

27Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita, e outro à sua esquerda. 28E cumpriu-se a Escritura que diz: Com malfeitores foi contado.

29Os que iam passando, blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: Ah! Tu que destróis o santuário e, em três dias, o reedificas! 30Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!

31De igual modo, os principais sacerdotes com os escribas, escarnecendo, entre si diziam: Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se; 32desça agora da cruz o Cristo, o rei de Israel, para que vejamos e creiamos. Também os que com ele foram crucificados o insultavam.” (Marcos 15.24-32)

Marcos assim como os outros evangelistas é sucinto ao mencionar a crucificação com apenas três palavras: “Então, o crucificaram” (15.24). A morte de cruz era terrivelmente vergonhosa e dolorosa, somente aplicada a cidadãos não romanos.  O desejo dos principais líderes israelitas em crucificarem Jesus se deve à compreensão de que a cruz era um sinônimo para o “madeiro” que decretava a maldição divina sobre aquele que nele fosse pendurado (Dt 21.23; cf. At 5.30; 10.29; Gl 3.13). Diante de seus compatriotas, ao ser crucificado, Jesus não seria maldito apenas por eles, mas pelo próprio Deus.

Para os romanos, ela tinha um peso imensamente vergonhoso e ultrajante. Cícero, famoso orador, se reportou à cruz da seguinte forma: “Já é um delito algemar um cidadão romano, um crime chicoteá-lo, praticamente alta traição matá-lo. O que, então, direi da crucificação? Não há palavra que possa nomear um ato tão terrível”. Em outro discurso, afirma: “A própria palavra ‘cruz’ deve ficar longe não só do corpo dos cidadãos romanos, mas também dos seus pensamentos, olhos e ouvidos”. A crucificação era um castigo doloroso que matava a pessoa lentamente e a expunha nua diante dos que a viam.

Trueman Davis, em um jornal de medicina do Arizona, descreve a agonia e danos físicos que um crucificado passava na cruz.  Jesus teve suas costas ensangüentadas lançadas contra a madeira, depois, seus braços estendidos e fixados por um prego que perfurava cada um dos seus pulsos. Após a madeira vertical ser erguida, o pé esquerdo era pressionado contra o direito e um prego perfurava o peito dos dois pés, deixando o corpo moderadamente curvado. Quando Jesus colocava o peso sobre os seus pulsos pregados uma dor terrível corria pelos nervos medianos, indo desde os dedos das mãos, passando pelos braços até explodir no cérebro. Ao buscar jogar o peso do corpo sobre os pés, a dor começava novamente, partindo dos nervos entre os ossos metatársicos dos pés.

Os braços fatigados sofriam uma onda de cãibras que corriam para o meio do corpo e atingia os músculos da respiração. Com dificuldades de se movimentar para cima, o pulmão de Jesus e a corrente sanguínea experimentavam um acúmulo de dióxido de carbono e somente com muito sofrimento Jesus conseguia aspirar um pouco de oxigênio. Enquanto Ele tentava se movimentar para cima, os tecidos de seu corpo se rasgavam ainda mais, esfregados contra a madeira da cruz. Os insetos pousavam sobre as feridas abertas. A irrigação de sangue da cabeça e do coração ficava cada vez menor, até que o coração falhava, os pulmões já não mais conseguiam absorver o oxigênio necessário e a cabeça se inclinava para frente sobre o peito.

Em contraste com o sofrimento tormentoso de Jesus, os soldados absorvidos por sua ganância lançavam sortes para ver com que parte das roupas de Jesus cada um ficaria (15.24). A insensibilidade é total. Mas, a Palavra de Deus se cumpre conforme o Salmo 22.18: “Dividiram as minhas roupas entre si e lançaram sortes pelas minhas vestes”. Marcos registra o momento da crucificação como sendo a terceira hora do calendário romano, o que equivaleria às 9:00h (15.25). A história segue o compasso do reino de Deus e se intensifica, passando de “dia(s)” (cf. 11.12; 14.1; 14.12) para “hora”.

A inscrição que era feita de madeira, pintada com gesso e escrita com letras pretas ou vermelhas ratifica a sentença contra Jesus, ele, em alta traição a César, reivindicou para si o título de “rei dos judeus” (15.26). Ainda que o seu reino não fosse “deste mundo” (Jo 18.36) e não fosse fundado com o sangue de seus súditos, mas com o seu próprio sangue. Um senhor tão diferente incomoda os senhores deste mundo, pois, conquista servos que o amam mais que a própria vida (Ap 12.11).

A zombaria dos soldados romanos ainda continuou na crucificação, pois, colocaram Jesus entre os dois insurreicionistas, como se fosse o principal e o líder deles. Não são tronos que Jesus têm à sua direita e esquerda, como pensavam Tiago e João (cf. 10.37), mas duas cruzes com criminosos nelas (15.27). Talvez, estes criminosos tenham participado da mesma insurreição que Barrabás. A Palavra de Deus continua tendo a primazia na  história, pois, mesmo em meio à zombaria e vergonha, Isaías 53.12 se cumpriu: “e ele foi contado entre os transgressores” (15.28).

A instauração do reino de Deus tem origem num judeu de Nazaré, conhecido por suas boas obras entre o povo e pregado numa cruz. A cruz é o fundamento do evangelho. A humilhação de Cristo é a nossa glória. Nos sofrimentos físicos e vergonha pública de Jesus nós temos uma compreensão mais clara do amor de Deus. Tal amor só é possível ver com as lentes dadas pelo Espírito Santo: “E a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações por meio do Espírito Santo que Ele nos concedeu ... Deus demonstra o seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores” (Rm 5.5, 8). Este amor nos assegura de que “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas” (Rm 8.32). O amor de Deus por nós na cruz do calvário é a demonstração de que Ele cumprirá todas as promessas que nos fez.

Tal sofrimento de Cristo em nosso lugar deve provocar em nós uma reação de devoção e entrega total. Por isso, na mesma carta de Romanos, Paulo nos exorta: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que o vosso culto espiritual. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, perfeita e agradável vontade de Deus” (Rm 12.1-2). Quando dois adolescentes dos irmãos morávios decidiram se vender como escravos para evangelizar os escravos na África e se despediram de sua família em prantos, eles afirmaram: “Não deve o Cordeiro receber a completa recompensa pelos seus sofrimentos?”.

Como tem sido nossa resposta a esta graça abundante de Deus? Será que percebemos o alto valor do sangue de Cristo em nosso favor? Será que brincamos e amamos demais este mundo e não somos capazes de amar mais a Cristo do que as nossas próprias vidas? Estamos dispostos a considerar tudo como perda por amor a Cristo? Queremos nos associar com Cristo não só em sua glória, mas, também, em seus sofrimentos e morte? Com que gana você segue a Jesus e toma a sua cruz? Em que medida você nega a si mesmo? O quanto você se doa pelas coisas deste mundo – trabalho, estudos, festas, passeios – e quanto você se entrega ao serviço devotado a Cristo?

O texto, também, nos mostra que nem todos percebem a profundidade do amor de Deus. Os soldados, de forma despreocupada e indiferente, lançavam sortes sobre as roupas dele, sem perceber a grandeza deste acontecimento na história redentora de Deus. O homem natural não entende as coisas de Deus, apenas o Espírito Santo é capaz de revelar a profundidade do amor de Deus a quem Ele quer: “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito” (1 Co 2.9-10). Não estranhe se algumas pessoas permanecem indiferentes à mensagem do evangelho de Cristo, pois, só podem ser sensibilizadas e tocadas por ela, pessoas às quais o nosso Deus chamar. 

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