John Piper
INTRODUÇÃO
Votar é como se casar, chorar, rir e comprar. Nós devemos fazer isso, mas apenas como se não o fizéssemos. Isso porque “a forma presente deste mundo está passando”, e, aos olhos de Deus, “o tempo é curto”. Eis a forma como Paulo expõe isto:
O que quero dizer é que o tempo é curto. De agora em diante, aqueles que têm esposa, vivam como se não tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; os que estão felizes, como se não estivessem; os que compram algo, como se nada possuíssem; os que usam as coisas do mundo, como se não as usassem; porque a forma presente deste mundo está passando. (1 Coríntios 7.29-31).
Vamos tomar cada uma destas ações por vez e compará-las com a ação de votar.
- “Aqueles que têm esposa, vivam como se não tivessem”
Isto não significa sair de casa, não ter relações sexuais, e não chamar sua esposa de “docinho”. Anteriormente, neste capítulo, Paulo disse: “O marido deve cumprir os seus deveres conjugais para com a sua mulher, e da mesma forma a mulher para com seu marido” (1 Co 7.3). Ele, também, diz que os maridos devem amar as suas esposas da mesma forma que Cristo amou a Igreja, liderando, provendo e protegendo (Ef 5.25-30). O que isto significa é que o casamento é transitório. Ele acaba com a morte e não há casamento na ressurreição. Esposas e maridos são a segunda das prioridades, não a primeira. Cristo é a primeira. O casamento deve fazer de Cristo ainda mais importante para nós.
Isto significa: se ela é perfeitamente desejável, cuidado para não desejá-la mais do que Cristo. E se ela profundamente desapontadora, cuidado para não se sentir ferido demais. Isto é temporário – dura apenas o breve período de uma vida. Então, virá a vida que nunca desaponta, a qual é a verdadeira vida.
Assim acontece com o “votar”. Nós devemos fazer isso, mas apenas como se não o fizéssemos. Os seus resultados não nos dão a maior alegria quando ocorrem do nosso jeito, e não nos desmoralizam, quando não ocorrem. A vida política deve fazer mais de Cristo, seja o mundo desabando ou permanecendo unido.
- “Aqueles que choram como se não chorassem”
Cristãos choram com real, profundo e doloroso choro, especialmente diante de perdas – perda daqueles que amamos, perda de saúde, a perda de um sonho. Estas perdas nos machucam e nós choramos quando elas nos machucam. Mas nós choramos, como se não chorássemos. Nós choramos, sabendo que não perdemos algo tão valioso que não possamos nos regozijar em meio ao nosso choro. Nossas perdas não nos incapacitam. Elas não nos cegam para a possibilidade de um futuro frutífero servindo a Cristo. O Senhor dá e o Senhor toma. Mas, Ele permanece bendito e nós continuamos esperançosos em nosso choro.
Assim é com o “votar”. Há perdas. Nós choramos. Mas não como aqueles que não possuem esperança. Nós votamos e perdemos ou votamos e vencemos. Em ambos os casos nós vencemos e perdemos como se não estivéssemos vencendo ou perdendo. Nossas expectativas e frustrações são modestas. O melhor que este mundo pode oferecer é curto e pequeno. O pior que ele pode oferecer já fora predito no livro do Apocalipse. E nenhum voto deterá isso. A curto prazo, os cristãos perdem (Ap 13.7). A longo prazo, nós vencemos (Ap 21.4).
- “Os que estão felizes como se não estivessem”
Os cristãos se alegram na saúde (Tg 5.13) e doença (Tg 1.2). Há milhares de coisas boas e perfeitas que vêm de Deus e que despertam o sentimento de alegria. O clima belo, bons amigos que desejam passar tempo conosco, comida deliciosa e alguém com quem compartilhá-la, um plano bem sucedido, uma pessoa ajudada pelos nossos esforços.
Mas nenhuma destas coisas boas e belas pode satisfazer a nossa alma. Até a melhor delas não pode substituir aquilo para o qual nós fomos feitos, a completa experiência do Cristo ressurreto (Jo 17.24). Inclusive a comunhão com ele aqui não é o dom melhor e último. Há muito mais dele para experimentar depois da morte (Fp 1.21-23) – e ainda mais depois da ressurreição. As melhores experiências aqui são um antegozo. Os melhores vislumbres de glória ocorrem por meio de um espelho embaçado. A alegria que desponta destas apresentações prévias não são nem devem se elevar ao nível da esperança da glória. Estes prazeres um dia serão como se não fossem. Então, nós nos alegramos lembrando que esta alegria é um antegosto e será substituída por uma alegria enormemente melhor.
Assim é com o “votar”. Há alegrias. O próprio ato de votar é uma alegre declaração de que não estamos debaixo de um tirano. E pode haver vitórias felizes. Mas o melhor governo que nós podemos alcançar é simplesmente uma prefiguração. A paz e a justiça são aproximadas, agora. Elas serão perfeitas quando Cristo vier. Por isso, a nossa alegria é modesta. Nossos triunfos têm vida curta e estão marcados com a imperfeição. Assim, nós votamos como se não votássemos.
- “Os que compram algo, como se nada possuíssem”
Que os cristãos continuem comprando, enquanto esta era dura. Cristianismo não é se afastar dos negócios. Nós estamos envolvidos, mas como se não estivéssemos envolvidos. Os negócios não possuem o peso nos nossos corações como têm para muitos. Tudo o que nós alcançamos e temos neste mundo é alcançar e ter coisas que não são, em última análise, importantes. Nosso carro, nossas casa, nossos livros, nosso computador, nossos objetos de herança – nós os possuímos com um apego solto. Se eles são tomados, nós dizemos que num certo sentido nós não os tínhamos. Não estamos aqui para possuir, mas para ajuntar tesouros nos céus.
Este mundo material é importante, mas não é final. Este é o estágio para vivermos de tal modo a mostrar que este não é o nosso Deus, mas que Cristo é o nosso Deus. Este é o momento para usarmos do mundo a fim de mostrarmos que Cristo é mais precioso que o mundo.
Assim, também é com o “votar”. Nós não nos esquivamos. Estamos envolvidos, mas como se não estivéssemos envolvidos. A política não possui o peso maior para nós. Esta é mais uma plataforma para agirmos a partir da verdade que Cristo, e não a política, é Supremo.
- “Os que usam as coisas do mundo, como se não as usassem”
Cristãos devem lidar com este mundo. Ele está aqui para ser usado. Use-o. Não há como evitá-lo. Não usá-lo é usá-lo de outra forma. Não cuidar de seu jardim é cultivar ervas daninha nele. Não usar casaco no inverno de São Paulo significa congelar-se – isso é lidar com o frio de outra forma. Não parar quando o sinal está vermelho é gastar o seu dinheiro com multas e contas de hospital, e, assim, usar o mundo de outra forma. Nós devemos usar o mundo.
Mas quando nós usamos o mundo, não lhe damos a nossa maior atenção. Não designamos a este mundo o status maior. Há coisas invisíveis que são infinitamente mais preciosas que o mundo. Nós utilizamos do mundo sem dar a ele a nossa alma por completo. Podemos trabalhar com todas as nossas forças enquanto lidamos com o mundo, mas as paixões completas dos nossos corações estarão fincadas em algo muito maior – os propósitos direcionados para Deus. Usamos o mundo, mas não como se fosse um fim em si mesmo.
Assim é com o “votar”. Nós lidamos com o sistema. Observamos as notícias. Lidamos com os candidatos e tratamos das questões. Nós lidamos com estas questões como se não estivéssemos lidando com elas. Elas não possuem a nossa mais completa atenção. Elas não são as maiores coisas de nossas vidas. Cristo é. E Cristo governará o seu povo com perfeita supremacia, não importa quem é eleito, quem permanece no poder ou quem caia. Deste modo, nós votamos, como se não votássemos.
Sem dúvida, vote. Mas lembre-se: “O mundo e os seus desejos passam, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (Jo 2.17).
Votando com vocês, como se não votasse,
Pastor John