segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A JORNADA ENTRE A ORAÇÃO HUMILDE
E A OBEDIÊNCIA VACILANTE
Marcos 1.40-45

INTRODUÇÃO
Em uma reportagem da revista Ultimato de 1994, Kenneth Hagin, pastor promotor da teologia da prosperidade diz o seguinte:

"Nós como cristãos, não precisamos sofrer reveses financeiros; não precisamos ser cativos da pobreza ou da enfermidade. Deus proverá a cura e a prosperidade para seus filhos se eles obedecerem aos seus mandamentos ... Deus quer que seus filhos tenham o melhor de tudo ... Um pregador certa vez me disse que fulano possuía humildade porque andava num carro muito velho. Repliquei: ‘isso não é humildade, isso é ser ignorante!’ ... Não havia cadillac naquela época, mas Jesus andou num jumento, e este era o melhor meio de transporte da época. Deus disse que éramos para reinar em vida como reis. Quem jamais imaginaria um rei vivendo em pobreza? A idéia de pobreza simplesmente não combina com reis".

Ao ler as Escrituras percebo que o ignorante (com todo o respeito) é o Pr. Hagin, que desconhece trechos da Bíblia tais quais: "Disse Jesus: ‘O meu Reino não é deste mundo. Se o fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu Reino não é daqui’" (Jo 18.36) e "Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rm 14.17).

Motivados pela teologia da glória, os apóstolos, bispos, missionários, entre outros, ensinam sua congregações a exigirem de Deus o carro novo, o namorado, uma vida conjugal fácil, saúde próspera, etc. Usam na linguagem da oração o "determinar" e como o texto acima mostra, Deus certamente nos dará tudo o que pedimos e nos fará prósperos.

Uma observação simples do Evangelho mostrará que as coisas não são bem assim. Se nem o Filho fora poupado do cálice da Cruz quando orou (Mc 14.35, 36), quanto mais nós que somos menores que o nosso Senhor (Mc 10.43-45).

Quando chego em Marcos 1.40-45 sou desafiado pelo modelo de oração que ali encontro. Um leproso miserável que possui uma teologia bem melhor que a dos super-heróis modernos e no ensina a orar "segundo a vontade de Deus" (cf. 1 Jo 5.14, 15). É para esse texto que chamo a sua atenção e o convido a refletir. Três princípios se destacam nele.

ORE HUMILDEMENTE – v. 40

O texto anterior (Mc 1.35-39), termina com a informação acerca da viagem missionária de Jesus por toda a Galiléia, pregando as boas novas do reino de Deus nas sinagogas e expulsando demônios. Durante essa missão evangelística, Jesus entra em mais um povoado, porém, algo diferente ocorre. No meio da multidão, surge um homem leproso que, ajoelhado, expõe seu pedido a Jesus. Ao estudarmos o contexto bíblico, percebemos que tal situação é surpreendente por algumas razões.

Primeiro, porque os leprosos eram considerados imundos para os judeus e não poderiam viver dentro das cidades. Ao ser informado de sua doença, o leproso deveria gritar: "Imundo! Imundo!" e construir sua casa afastada das demais pessoas de sua comunidade (Lv 13.45,46). Um comentarista diz que geralmente moravam perto dos lixões, onde encontrariam comida para a sua sobrevivência.

É interessante observar vários relatos bíblicos em que a lepra se relacionava ao pecado da pessoa, o que, conseqüentemente, produziu um preconceito na cultura judaica de que toda lepra tinha como causa o pecado. Miriã foi atingida por lepra como castigo de Deus ao se rebelar contra a liderança de Moisés sobre a nação de Israel (Nm 12.1ss). O servo do profeta Eliseu ficou com lepra depois de mentir para alcançar seu propósito ganancioso de possuir bem materiais (2 Rs 5). O mesmo se pode dizer do rei Uzias que ao tentar quebrar as leis cerimoniais da adoração, acabou leproso (2 Cr 26.16ss). Logo, era comum na mentalidade popular alguém leproso ser considerado como estando debaixo da ira e castigo de Deus.

O judaísmo criou suas próprias tradições, indo além do que a Torah havia indicado. Os rabinos diziam que a distância mínima para uma pessoa se aproximar de um leproso era 1,30 metro, em dia que não ventasse muito. Dependendo da situação, a distância mínima chegava a 46 metros! Conta-se de um rabino que ao ver um leproso, se escondia dele e de outro que jogou pedras, dizendo: "Vá para o seu lugar e não manche as pessoas!".

Diante disso, fica clara a enorme confiança e a fé corajosa que este homem demonstrou ao entrar no povoado e se aproximar de Jesus, rogando que fosse curado. Era necessário ter muita certeza, antes de um tomar uma decisão dessas, mas o fez porque sabia que Jesus podia curá-lo (contraste com 9.22). Ele não tem dúvidas quanto ao poder de Jesus, mas quanto ao propósito de Deus em realizar tal cura. Não duvidava da disposição de Jesus em ajudá-lo, mas se fazer tal milagre se encaixaria dentro do ministério proposto pelo Pai.

Rejeitado pela sociedade, rotulado como pecador e desprezado por si mesmo, ele não se vê no direito de dar ordens ao Senhor do universo, mas compreende a Soberania de Jesus no cumprimento de Sua missão. Enquanto Pedro desesperado diz: "Senhor, todos te procuram!" (v. 37), o leproso apenas roga: "Se quiseres, podes purificar-me!".

O princípio maior deste versículo é a Oração Humilde. O leproso tinha plena consciência de sua pequenez e de como isso implicava na sua aproximação de Jesus. "Deus vai além do esperado quando ficamos aquém do exigido", dizia um professor meu ao explicar este texto. Precisamos seguir o modelo do leproso quando nos aproximamos de Deus em nossas petições. Não importa o quão desesperadora seja a nossa situação, o quão difícil seja enfrentar determinados desafios, precisamos colocar nossa vontade debaixo da vontade de Deus. Expor nossa súplica, mas não esquecer de quem é o Senhor (14.35, 36).

Pedir a Deus por um namorado (a) e marido (esposa), mas deixar que Ele no tempo dEle conceda ou não a petição. Pedir a Deus por um emprego melhor ou uma oportunidade melhor de trabalho, mas ser grato por aquilo que Ele já tem dado. Pedir a Deus que transforme a vida do meu filho ou meu cônjuge, mas deixar ao encargo dEle, entendendo que por meio de uma dificuldade de relacionamento, Deus quer trabalhar no meu caráter.

Uma grande mentira tem-se propagado com este comércio religioso. Como algum pastor em sã consciência é capaz de conduzir um programa chamado "Pare de Sofrer!"? Quem sou eu para determinar o fim do sofrimento de alguém? É por meio do sofrimento que Deus forja o nosso caráter e Ele tem propósitos que nós entenderemos somente mais adiante na vida ou apenas na eternidade (Rm 8.28, 29).

Não cabe a nós dizer o que Deus deve fazer, e sim, apenas a súplica humilde de alguém que está diante do Pai amoroso que sabe aquilo que é melhor para os seus filhos (Mt 7.9-12). Muitas vezes, queremos a comida dos porcos, enquanto Deus tem um banquete para nós. O banquete da presença dEle e a alegria plena da comunhão de um filho que conhece seu Pai mais intensamente.

AJA COMPASSIVAMENTE – vv. 41-42

Ao ver aquele homem envolvido em tamanha miséria, Jesus se comove. O texto descreve Jesus tomado por compaixão. As boas notícias da salvação alcançaram o leproso que lançara toda sua esperança em quem, de fato, poderia curá-lo (Is 61.1-2). Se as forças dominantes da religiosidade judaica desprezavam um homem como este, Jesus segue o caminho totalmente diferente e se identifica com a dor física e espiritual experimentada pelo marginalizado.
A compaixão de Jesus não se transforma em mero discurso, mas em ação. Estende a sua mão e toca o leproso. Tal gesto faria de qualquer judeu impuro até o final da tarde. Mas aqui o processo é revertido, não é Jesus que se contamina com a lepra do homem, mas o homem é purificado pelo toque poderoso de Jesus. "Quero, seja purificado!". Aquele que pode, quis, e, imediatamente, a lepra deixou o homem, tornando-o puro novamente.

Como discípulos de Cristo seguimos o modelo do Mestre para com os que carecem de ajuda. Nossa sociedade se habituou à indiferença diante da miséria ou sofrimento do próximo. Basta ligar a televisão e acessar a internet para perceber como a mídia explora a infelicidade alheia, a fim de alcançar uma maior audiência e, assim, atingir lucros maiores. Nos acostumamos a ver a mulher grávida recebendo tiros de um bandido, pessoas agonizando no sistema público de saúde, a filha que mata os pais, o acidente de carro em que morrem pessoas. Nos tornamos gradualmente indiferentes ao problema do próximo. Isso é seguir o modelo religioso dos dias de Jesus, no lugar de viver como comunidade do Salvador Compassivo.

É necessário chorar com os que choram. E, além de chorar, agir com as mãos estendidas aos necessitados. Precisamos proclamar a salvação espiritual do homem, a qual se encontra apenas em Jesus. A paz com o próximo que nossa sociedade tanto carece só será alcançada se, primeiramente, obtiver a paz com Deus em Cristo (Ef 2.11ss). Devemos dizer isso às pessoas como discípulos que se compadecem da miséria humana debaixo do pecado.

Podemos fazer grande diferença em nossa sociedade se agirmos mais em prol de uma sociedade mais justa. Sermos íntegros nas nossas relações de trabalho, agasalharmos a criança do farol, oferecermos ao andarilho oportunidade para reabilitação do álcool, dispormos de tempo com crianças de uma comunidade carente. "Enquanto houver apenas um ser humano existindo em condições precárias, não se pode admitir que haja alguém dotado de plena dignidade ... pois como uma pessoa humana pode ser sentir digna, se seu irmão não está vivendo com o mesmo conforto?" (José Carlos Iglesias).

Precisamos lembrar que o Senhor Jesus não está preocupado apenas com um homem, mas em restaurar a comunidade humana dos eleitos ao seu ideal inicial. Não se deve olhar para si mesmo como se a obra de Jesus estivesse realizada, é necessário seguir os passos do Mestre na direção do próximo.

OBEDEÇA FIELMENTE – vv. 43-45

Após a cura, Jesus dá uma advertência ao homem. A palavra grega indica uma advertência enfática, não necessariamente, severa. O pedido de Jesus não consiste em algo novo no Evangelho de Marcos. Até aqui, o silêncio fora exigido apenas dos demônios (1.24-25, 34), a partir deste texto, encontramos várias advertências de Jesus às pessoas que foram objeto de seu amor compassivo e sua cura. Marcos 7.36 diz algo interessante: "Jesus ordenou-lhes que não o contassem a ninguém. Contudo, quanto mais ele os proibia, mais eles falavam".

A ordem de silêncio da parte de Jesus tinha forte relação com a idéia errônea que os judeus teriam a respeito dEle, vendo-o como o libertador político das mãos de Roma e não como o Salvador Sofredor que dá a Sua vida para nos restaurar à comunhão com Deus.

O ex-leproso deveria apenas seguir as exigências da Lei, a fim de que pudesse ser reintegrado à sociedade. O aval do sacerdote, considerando-o puro, seria o testemunho de que precisava para voltar à vida normal na comunidade.

Sem dar atenção à ordem de Jesus, o ex-leproso cumpriu a parte necessária para ser integrado à sociedade, mas logo que isso ocorreu, saiu contando a todos a respeito de sua cura. Assim, atrapalhou os planos de Jesus em visitar "os povoados vizinhos, para que também lá eu pregue. Foi para isso que eu vim. Então ele percorreu toda a Galiléia, pregando nas sinagogas e expulsando demônios" (vv.38-39). Pois, Jesus já não conseguia entrar de modo aberto nas cidades, sendo levado a permanecer em lugares desertos.

Porém, a desobediência do leproso não frustrou a Obra de Deus em Cristo, porque "assim mesmo vinha a ele gente de todas as partes" (v. 45).

A princípio, meu entendimento inicial do texto era de que a atitude do leproso não poderia ser considerada como uma desobediência muito séria. Com a observação cuidadosa e a ajuda de outros comentaristas, percebi que a atitude dele impediu Jesus de cumprir seu foco inicial que era pregar nos povoados, nas sinagogas. Além disso, essa ênfase de Marcos no silêncio e como a propagação descuidada das pessoas foi um obstáculo no ministério de Jesus, era por demais pertinente para seu público inicial de cristãos romanos que enfrentavam a oposição da população, bem como do império e deveriam ter bastante cuidado ao compartilharem das boas novas sem "jogar pérolas aos porcos". Compartilhar o evangelho de modo cuidadoso e que contribuísse de maneira mais eficaz para a expansão do Reino.

Mesmo assim, o texto nos lembra que a desobediência humana não frustra os propósitos de Deus, ainda que Ele se auto-limite em sua atuação quando há de nossa parte pecados e falta de consideração para com Sua Palavra.

É necessário refletir o quanto nossas vidas servem a propagação do reino ou a atrapalham. Precisamos pensar o quanto nossos pecados são um empecilho para o desenvolvimento e crescimento sadio da comunidade local na qual comungamos.

A nossa indisposição de ouvirmos e obedecermos a Palavra de Cristo afetará a atuação de Deus por meio de nossas vidas. Por outro lado, nossa consagração constante e diária expressa obediência à Cristo e deixa espaço para atuação livre e intensa do Senhor por meio de nós.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ae feio, legal esse artigo, sempre que posso,dou uma passada aqui, nem sempre dá pra ler tudo, mas tá muito bom, abração.

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