segunda-feira, 10 de novembro de 2008

"Destruirei a completamente a memória de Amaleque"

Uma meditação em Êxodo 17.8-16


Então, veio Amaleque e guerreou contra Israel em Refidim. Diante disso, Moisés disse a Josué: “Escolhe alguns dos nossos homens e sai para guerrear contra Amaleque. Amanhã, eu estarei posicionado sobre o topo da colina, com a vara de Deus em minha mão”.

Assim, Josué guerreou contra Amaleque, conforme Moisés lhe ordenou. E Moisés, Arão e Hur subiram ao topo da colina. Quando Moisés erguia a sua mão, Israel prevalecia, mas quando a abaixava, Amaleque prevalecia. Ora, as mãos de Moisés ficaram cansadas. Então, tomaram uma pedra, colocaram debaixo dele e se assentou sobre ela. Arão e Hur sustentavam as suas mãos, um de um lado e o outro, do outro. Assim, as mãos de Moisés ficaram firmes até o pôr do sol. Deste modo, Josué derrotou Amaleque e seu povo ao fio da espada.

O SENHOR disse a Moisés: “Escreve isto num livro, como memorial e declara a Josué que eliminarei completamente a memória de Amaleque debaixo dos céus”. Moisés construiu um altar e declarou Seu nome: “O SENHOR é a minha bandeira”. E disse: “Por causa da mão levantada contra o trono do SENHOR, haverá guerra da parte do SENHOR contra Amaleque, de geração a geração”.

O texto de Êxodo 17.8-16 traz consigo implicações práticas para a igreja moderna. Primeiramente, ensina a presença de Deus na vida de Seu povo, em meio às situações difíceis e adversas. Quando se viram atacados pelos amalequitas, tanto Moisés quanto Israel recorrem à ajuda divina, simbolizada pela vara de Deus. Yahweh é quem provê o livramento deles diante da oposição dos inimigos. Portanto, a salvação de Israel não residia em sua própria capacidade, nem precisaria desesperar-se perante um ataque repentino, mas deveria colocar sua confiança no Senhor e esperar dele a vitória.

Da mesma forma, quando cristãos enfrentam circunstâncias difíceis e não encontram forças para lidar com elas, necessitam buscar a ajuda e suficiência em Deus, crendo em Seu poder para capacitá-los a passar pelas provas e tribulações. Não é a sabedoria nem habilidade humanas que proporcionam suporte para a igreja encarar os momentos difíceis, porém, Deus promete estar com os seus e proporcionar Sua graça cuidadora, quando estes o buscam e confiam nele (Js 1.7-9; 2 Co 1.3-5; 12.7-10; Fp 4.10-13).

A passagem ressalta, também, a ira de Deus sobre os que se opõem à sua santa e soberana vontade. Yahweh derrota Amaleque porque, antes de tudo, sua ação foi contra o próprio Deus. Hoje em dia, infelizmente, há uma má compreensão do caráter de Deus. Ressalta-se demasiadamente Sua graça e se perde a perspectiva que Ele, também, é “fogo consumidor” (Hb 12.29). Deus promete vingar-se daqueles que desobedecem os seus princípios, inclusive crentes em Cristo (1 Ts 4.6). O autor de Hebreus lembra que Deus julga seu povo e terrível coisa é cair nas mãos dele (Hb 10.26-31). Como Pai que ama o filho, Deus disciplina Sua igreja, a fim de aperfeiçoá-la em santidade (Hb 12.5-11).

Esta dupla perspectiva da graça e justiça de Deus devem orientar os discípulos de Cristo, conduzindo-os à dependência de Sua presença e cuidado, e a uma vida em submissão à Sua soberania e santidade.

domingo, 26 de outubro de 2008

SAUDADE DE DEUS

Anselmo de Cantuária

Vamos, coragem, pobre homem! Foge um pouco de tuas ocupações. Esconde-te um instante do tumulto dos teus pensamentos. Põe de parte os cuidados que te absorvem e livra-te das preocupações que te afligem. Dá um pouco de tempo a Deus e repousa nele.

Entra no íntimo de tua alma, afasta tudo de ti, exceto Deus ou o que possa ajudar-te a procurá-lo; fecha a porta e põe-te à procura. Agora fala, meu coração, abre-te e diz a Deus: Busco a tua face; Senhor, é a tua face que eu procuro (cf. Sl 26,8).

E agora, Senhor meu Deus, ensina a meu coração onde e como te procurar, onde e como te encontrar.

Senhor, se não estás aqui, se estás ausente, onde te procurarei? E se estás em toda parte, por que não te encontro presente? É certo que habitas numa luz inacessível, mas onde está essa luz inacessível e como chegarei a ela? Quem me conduzirá e nela me introduzirá, para que nela eu te veja? E depois, com que sinais e sob que aspectos te devo procurar? Nunca te vi, Senhor meu Deus, não conheço a tua face.

Que pode fazer, altíssimo Senhor, que pode fazer este exilado longe de ti? Que pode fazer este teu servo, sedento do teu amor, mas tão longe da tua presença? Aspira ver-te, mas tua face se esconde inteiramente dele? Deseja aproximar-se de ti, mas tua morada é inacessível. Aspira encontrar-te, mas não sabe onde estás. Tenta procurar-te, mas desconhece a tua face.

Senhor, tu és o meu Deus, o meu Senhor, e nunca te vi. Tu me criaste e redimiste, deste-me todos os meus bens e ainda não te conheço. Fui criado para te ver e ainda não fiz aquilo para que fui criado.

E tu, Senhor, até quando? Até quando, Senhor, me esquecerás, até quando me ocultarás a tua face? Quando me olharás e me ouvirás? Quando iluminarás os meus olhos, e me mostrarás a tua face? Quando voltarás a mim?

Olha-me, Senhor, ouve-me e mostra-te a mim. Dá-me novamente a tua presença para eu ser feliz, pois sem ti sou tão infeliz! Tem piedade dos rudes esforços que faço para alcançar-te, eu que nada posso sem ti.

Ensina-me a te procurar e mostra-te quando te procuro; pois não posso procurar-te se não me ensinas nem encontrar-te se não te mostras. Que desejando eu te procure, procurando te deseje, amando te encontre, e encontrando te ame.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Graça Barata e Graça Preciosa

Dietrich Bonhoeffer

A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão de pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.

A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende com alegria tudo quanto tem: a pérola preciosa, para adquirir a qual o comerciante se desfaz de todos os seus bens; o governo régio de Cristo, por amor do qual o homem arranca o olho que o escandaliza; o chamado de Jesus Cristo, ao ouvir do qual o discípulo larga as suas redes e o segue.

A graça preciosa é o evangelho que há de se procurar sempre de novo, o dom pelo qual se tem que orar, a porta à qual se tem que bater. Essa graça é preciosa porque chama ao discipulado, e é graça por chamar ao discipulado de Jesus Cristo; é preciosa por custar a vida ao homem, e é graça por, assim, lhe dar a vida; é preciosa ao condenar o pecado, e é graça por justificar o pecador. Essa graça é sobretudo preciosa por tê-lo sido para Deus, por ter custado a Deus a vida de seu Filho - "fostes comprados por preço" - e porque não pode ser barato para nós aquilo que para Deus custou caro. A graça é graça sobretudo por Deus não ter achado que seu Filho fosse preço demasiado caro a pagar pela nossa vida, antes o deu por nós. A graça preciosa é a encarnação de Deus.

A graça preciosa é a graça considerada santuário de Deus, que tem que ser preservado do mundo, não lançado aos cães; e é graça como palavra viva, a Palavra de Deus que ele próprio pronuncia de acordo com seu beneplácito. Chega até nós como gracioso chamado ao discipulado de Jesus; vem como palavra de perdão ao espírito angustiado e ao coração esmagado. A graça é preciosa por obrigar o indivíduo a sujeitar-se ao jugo do discipulado de Jesus Cristo. As palavras de Jesus: "O meu jugo é suave e o meu fardo é leve" são expressões da graça.

Fonte: BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2001. p. 9-11

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O que Deus uniu, não separe o homem, pois o casamento espelha a Aliança de Deus conosco

John Piper

Ele respondeu: "Vocês não leram que, no princípio, o Criador 'os fez homem e mulher' e disse: 'Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne'? Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém separe". (Mateus 19.4-6)


Pois o Seu Criador é o Seu marido, o SENHOR dos exércitos é o Seu nome
(Isaías 54.5)

Jesus requer que maridos e esposas sejam fiéis aos seus casamentos. Ele não admite que isso seja fácil. Mas, ele ensina que isso é uma grande coisa porque o casamento é o trabalho do próprio Deus pelo qual Ele cria uma nova realidade de "uma carne" que ultrapassa a compreensão humana e retrata ao mundo em forma humana a união de aliança entre Deus e Seu povo. Casamento é sagrado além do que a maioria das pessoas imagina, porque isto é uma criação única de Deus, um dramático retrato de relação de Deus com Seu povo e uma demonstração da glória de Deus. Contra todas as atitudes que desprezam o casamento em nossos dias, a mensagem de Jesus é que o casamento é um grande trabalho de Deus e uma aliança sagrada quebrável apenas pela morte.

Jesus conhecia as Escrituras judaicas e viu o cumprimento delas em si mesmo e no Seu trabalho (Mt 5.17-18). Isso inclui a advertência do que Deus disse acerca de Seu relacionamento com Seu povo, quando retratou isso como casamento. Por exemplo, Deus disse: "Pois o Seu Criador é o Seu marido, o SENHOR dos exércitos é o Seu nome" (Is 54.5). E "'Naquele dia', Declara o SENHOR, 'você me chamará "meu marido" ... Eu me casarei com você para sempre; eu me casarei com você com justiça e retidão, com amor e compaixão. Eu me casarei com você com fidelidade, e você reconhecerá o SENHOR'" (Os 2.16, 19-20). E "Mais tarde, quando passei de novo por perto, olhei para você e vi que já tinha idade suficiente para amar; então, estendi a minha capa sobre você e cobri a sua nudez. Fiz um juramento e estabeleci uma aliança com você, palavra do Soberano, o SENHOR, e você se tornou minha" (Ez 16.8). "Mas, como a mulher que trai o marido, assim você tem sido infiel comigo, ó comunidade de Israel, declara o SENHOR" (Jr 3.20).

Com estas Escrituras como pano de fundo, é inevitável que Jesus veria a criação de Deus do casamento no começo como um meio de retratar Seu relacionamento com Seu povo. Assim Jesus lê Gênesis 2.24: "Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne". Quando Deus disse isso - e Jesus explicitamente diz que Deus disse isso, não apenas Moisés, o escritor de Gênesis (Mt 19.4-5) - Ele tinha em vista (como Ele tem tudo diante de si) que chamaria Seu povo Sua esposa e a si mesmo, seu marido. Portanto, a união entre um homem e uma mulher é unicamente criação de Deus com o objetivo de espelhar o relacionamento de Si mesmo com Seu povo.

Jesus é claro acerca do casamento como criação de Deus. Ele não nos deixa imaginar isso fora das Escrituras, e não limita a Criação ao primeiro casamento entre Adão e Eva. Ele diz: "Portanto, o que Deus uniu, não separe o homem (Mt 19.6). Deus, não o homem, é o Criador decisivo da união matrimonial. O ponto é que cada casamento é "unido" desta forma por Deus, porque Ele nos diz para não "separar", e o único casamento que nós podemos separar é o que nós unimos. Assim, cada casamento - cada casamento particular, não apenas o conceito de casamento ou a ordenança geral do casamento, ou o primeiro casamento - é trabalho de Deus. Deus agiu na união de cada esposo e esposa. Estes dois são uma carne pelo trabalho de Deus, não apenas por sua escolha.

E como uma união criada por Deus de "uma só carne", este homem e esta mulher estão numa aliança análoga à aliança de Deus com Israel. Seu casamento representa o relacioamento de Deus com Seu povo. Por meio do casamento Deus enche a terra com (geralmente despercebidos) testemunhos do relacionamento entre Ele e Seu povo da Aliança. Esta é uma das principais razões porque o divórcio e o recasamento são tão sérios. Eles mentem acerca do relacionamento de Deus com Seu povo. Deus nunca divorcia de Sua esposa e se casa com outra. Houve separações e muita dor, mas ele sempre a tomou de volta. O profeta Oséias é um testemunho do amor radical de Deus pela sua inconstante esposa. Deus nunca abandona sua esposa. E quando ele a deixa de lado por causa de sua idolatria adúltera, ele vai atrás dela no tempo adequado. Isso é o que o casamento foi designado para retratar: o invencível e gracioso comprometimento de Deus ao Seu povo da aliança - sua esposa.

Traduzido e Adaptado por Tiago Abdalla de John Piper. What Jesus demands from the world. p. 301-303.

sábado, 6 de setembro de 2008

O PODER DO REINO E A GLÓRIA DO REI
Parte 3

9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do homem tivesse ressuscitado dos mortos. 10 Eles guardaram o assunto apenas entre si, discutindo o que significaria “ressuscitar dos mortos”.11 E lhe perguntaram: “Por que os mestres da lei dizem que é necessário que Elias venha primeiro?”12 Jesus respondeu: “De fato, Elias vem primeiro e restaura todas as coisas. Então, por que está escrito que énecessário que o Filho do homem sofra muito e seja rejeitado com desprezo? 13 Mas eu lhes digo: Elias já veio, e fizeram com ele tudo o que quiseram, como está escrito a seu respeito”.

A HUMILHAÇÃO DO REI COMO CAMINHO PARA SUA GLÓRIA – vv. 9-13

Quando a cena gloriosa da revelação de Jesus como o Filho de Deus se acaba, encontramo-lo juntamente com os três discípulos descendo do monte. Nessa descida, Jesus os adverte para que não contassem aos outros o que viram lá. A razão básica disso é semelhante a das outras situações nas quais também alerta para não anunciarem os seus milagres. Pois, sabia que se as pessoas ouvissem deles isso, facilmente o enxergariam como o Messias glorioso que instauraria seu reino naquele momento e libertaria Israel do poder de Roma. Antes da glória era necessário o caminho da cruz. Por isso, apenas depois da ressurreição, de sua rejeição e crucificação em favor dos pecados dos homens, aí sim faria sentido proclamar o Cristo que vem para reinar.

No ministério de Jesus vemos o quadro tanto do Servo como do Rei, pois não existe coroa sem a cruz. Isso assusta os discípulos que ainda não haviam entendido o que ele dissera alguns versículos, antes, sobre seu sofrimento e rejeição (Mc 8.31-32, 34-38). Por isso, mesmo decididos a obedecê-lo, guardando consigo aquilo que viram no monte, começam a indagar o significado de “ressuscitar dos mortos”. Já que ressurreição pressupõe morte e não esperavam um Messias morto. A dúvida venceu seu temor e ousaram perguntar: “Por que os mestres da Lei dizem ser necessário Elias vir primeiro?”. A idéia por trás da pergunta é esclarecida por Jesus em sua resposta. Se Elias viria e restauraria tudo (9.12), convertendo os corações das pessoas e preparando o caminho para Cristo (cf. Ml 3.1 e 4.45-6), logo Jesus não seria rejeitado (Mc 8.31), mas aceito como rei pelo povo.

Jesus não anula o entendimento dos textos de Malaquias pelos professores da Lei, mas alerta que há antes da glória o sofrimento e rejeição. Os doutores da época enxergavam apenas o reino de glória futuro, mas não conseguiam perceber o sacrifício que o precedia. Pois, a própria Escritura previa o sofrimento do Messias morrendo pelos homens, o Servo Sofredor pregado por Isaías (Is 53.3ss; cf. Sl 22.1-12).

Do mesmo modo Elias em seu ministério não experimenta muitos momentos de conversão do povo. Ao contrário, é rejeitado e perseguido pelo rei e rainha da época (1 Rs 19.1ss). A narrativa da morte de João Batista fornece um paralelo muito forte com o ministério de Elias e os próprios discípulos entendem que Jesus estava se referindo a João Batista (Mt 17.13; cf. Mt 11.14). João, também, experimenta a oposição do poder de Herodes, influenciado por sua mulher ilegítima Herodias, e acaba morto por isso (Mc 6.16-29). Assim, Jesus podia dizer que Elias veio, já que João ministrou no poder de Elias (Lc 1.17), e fizeram com ele todo o mal que quiseram, da mesma forma como perseguiram o profeta anterior.

Esse texto, assim como o anterior em que o tomar a cruz está em pauta, ressalta o custo da fidelidade a Deus e do sofrimento como parte da vida de seus servos. O caminho de Cristo não era apenas caminho de glória, mas também, de dor, rejeição, oposição como parte do ministério que recebera do Pai. O cristianismo moderno quer reinar acima do próprio Deus e gozar de uma vida próspera e confortável, sem perceber que é necessário sofrer por Cristo.

Paulo já dizia que “todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2 Tm 3.12). As dificuldades fazem parte de nossa jornada cristã. É por meio de tais dificuldades que percebemos nossa necessidade e dependência de Deus (2 Co 12.7-10). Não nos identificamos apenas com a ressurreição poderosa de Cristo, mas também, com seus sofrimentos e morte (Fp 3.10-11).

Portanto, quando:

  • Sofremos oposição e ridicularização em casa por causa de nossa fé;
  • Somos deixados de lado no trabalho por não concordar com ações erradas ou na escola, por não participarmos de conversas maledicentes;
  • Somos prejudicados injustamente por alguma autoridade, já que não abrimos espaço para a corrupção;
Lembramos que isso é parte do discipulado. Jesus não nos prometeu um mar de rosas enquanto o seguimos nesta vida, mas garantiu Sua presença motivadora e confortadora em meio às lutas, perseguições e dificuldades.

Nossa sociedade ocidental nos ensina a amar o mundo, em lugar de viver nEle para a glória de Deus. Muitas pessoas estão atrás de um carro novo, uma casa confortável, uma bolsa de estudos no exterior, férias em lugares lindos ou reconhecimento profissional. Seguir a Cristo não é mais a totalidade de nosso viver, mas, simplesmente, um dentre muitos outros compromissos, sonhos e responsabilidades que assumimos e buscamos.
Concluo com uma doxologia poética de Israel Belo de Azevedo que reflete bem nosso cristianismo que aprendeu a gostar demais deste mundo:

Depois
(Lucas 9.57-62)

Não fosse
a mesa cheia de papéis
a praia plena de ondas
a agenda marcada hora a hora
o prato exalando sabor

Tivesse ele
uma caverna como a raposa
um ninho como o pássaro
uma mochila pelo menos

Hoje mesmo eu iria atrás dele.
O PODER DO REINO E A GLÓRIA DO REI
Parte 2

5 Então Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias”. 6 Ele não sabia o que dizer, pois estavam apavorados.7 A seguir apareceu uma nuvem e os envolveu, e dela saiu uma voz, que disse: “Este é o meu Filho amado. Ouçam-no!
8 Repentinamente, quando olharam ao redor, não viram mais ninguém, a não ser Jesus.

A SUPREMACIA DO REI CONFIRMADA POR DEUS – vv. 5-8

Pedro, mais uma vez, entra em cena. Havia confessado a identidade Salvadora e Divina de Jesus com uma percepção dada pelo próprio Deus, recebendo assim, o louvor do Mestre (Mc 8.29; cf. Mt 16.16-17). Porém, logo depois, não admite a necessidade da morte de Jesus como o Salvador e é repreendido por não compreender e aceitar as coisas de Deus (Mc 8.32-33). Aqui, os três discípulos se encontram assustados. Foram tomados pelo medo com a cena gloriosa que presenciaram.

Mesmo sem saber o que dizer, Pedro propõe a Jesus: “Ah! Esse momento é especial demais! Vamos fazer três cabanas, uma para você, outra para Moisés e uma outra para Elias”. Assim, ele coloca todos os três em pé de igualdade. Jesus é mais um grande servo de Deus como foram Moisés e Elias. Mas, algo acontece. Do mesmo modo como Deus manifestou a Sua presença no livro de Êxodo, sobre o Monte Sinai e no tabernáculo, por meio de uma nuvem, assim ocorre nesta história (Êx 19.16; 24.15-18; 40.34-38). A nuvem vem e envolve a todos, de modo que os discípulos mal conseguem enxergar.

O próprio Deus fala da nuvem: “Este é o meu Filho amado. Ouçam-no”. Aqui há uma lembrança do que ocorrera quando Jesus fora batizado no Jordão, quando Deus declarou Jesus como o Seu o Seu Filho amado. Esta afirmação fazia parte de um Salmo Messiânico (Sl 2.7), que anunciava o reino futuro do rei de Israel estendendo seu governo sobre todas as nações da Terra. Portanto, a declaração de Deus quer ressaltar aos discípulos, o caráter Supremo de Jesus que deve ser ouvido acima de Moisés e Elias. “... Ouçam-no” (v. 7), evoca o texto Deuterômio 18.15, o qual predizia a vinda do profeta que, assim como Moisés, revelaria a vontade e caráter de Deus. Pedro reconhecerá Jesus como o cumprimento desta profecia em Atos 3.22.

Jesus é Rei e Sua palavra deve ser obedecida. Ele deve ser ouvido acima de qualquer outro grande homem de Deus da história. A supremacia de Jesus é ainda mais nítida quando os discípulos olham ao redor e encontram apenas Jesus. Enquanto Elias e Moisés se vão, Jesus permanece. Ele é o ápice e cumprimento da revelação de Deus proclamada pelos santos do passado. Ninguém mais pode ser comparado a Ele.

Há alguém mais que recebe de nós o respeito e atenção no mesmo nível que Cristo em nossas vidas? Existe alguém cuja palavra tem quase autoridade divina para nós, mesmo diante de situações que quebram mandamentos ou vão contra a sabedoria de Deus?

Será que há objetos, afazeres ou pessoas que competem com nossa lealdade exclusiva a Cristo? O que nos interessa mais: agradar a Cristo ou aos amigos? O sucesso no trabalho ou o tempo com Cristo e Seu Corpo? O tempo na Internet ou o momento a sós com nosso Senhor?


O PODER DO REINO E A GLÓRIA DO REI
Marcos 9.1-13

INTRODUÇÃO

Carros que sobrevivem às chamas do fogo, homens que conseguem dar 50 golpes consecutivos no ar, extraterrestres que invadem o planeta terra com seus discos voadores, os X-Men com seus super-poderes, tudo isso é muito natural para uma geração acostumada com a tela da TV e do computador. Aprendemos a conviver entre o mundo da realidade e o da ficção. Sabemos distinguir entre algo que ocorre no mundo natural e kantiano, daquilo que acontece por trás das telas. As duas coisas não se misturam.

Agora, imagine um judeu do primeiro século que nem sequer sabia o que era televisão, quanto mais aquilo que chamamos de ficção científica. De repente, no alto de um monte, se depara com uma cena inusitada. O seu mestre, um palestino da cidade de Nazaré, literalmente se transforma num ser glorioso e majestoso diante dele, de um modo que nunca o tinha visto antes. Qual seria a sua reação? Qual seria a nossa reação se presenciássemos essa realidade?

Tal cena, Marcos nos apresenta no começo do capítulo 9 de seu Evangelho, quando Jesus, o Deus-homem, revela sua glória oculta a três de seus discípulos.

TEXTO

1 E lhes disse: “Garanto-lhes que alguns dos que aqui estão de modo nenhum experimentarão a morte, antes de verem o Reino de Deus vindo com poder”.
2 Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e os levou a um alto monte, onde ficaram a sós. Ali ele foi transfigurado diante deles. 3 Suas roupas se tornaram brancas, de um branco resplandecente, como nenhum lavandeiro no mundo seria capaz de branqueá-las. 4 E apareceram diante deles Elias e Moisés, os quais conversavam com Jesus.
5 Então Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias”. 6 Ele não sabia o que dizer, pois estavam apavorados.
7 A seguir apareceu uma nuvem e os envolveu, e dela saiu uma voz, que disse: “Este é o meu Filho amado.
Ouçam-no!
8 Repentinamente, quando olharam ao redor, não viram mais ninguém, a não ser Jesus.
9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do homem tivesse ressuscitado dos mortos. 10 Eles guardaram o assunto apenas entre si, discutindo o que significaria “ressuscitar dos mortos”.
11 E lhe perguntaram: “Por que os mestres da lei dizem que é necessário que Elias venha primeiro?”
12 Jesus respondeu: “De fato, Elias vem primeiro e restaura todas as coisas. Então, por que está escrito que é
necessário que o Filho do homem sofra muito e seja rejeitado com desprezo? 13 Mas eu lhes digo: Elias já veio, e fizeram com ele tudo o que quiseram, como está escrito a seu respeito”.

O PODER DO REINO E A MAJESTADE DO REI – vv. 1-4

O versículo 1 do capítulo 9, sem dúvida, precisa ser lido juntamente com o final do capítulo 8. Após falar sobre o alto preço de segui-lo e das sérias conseqüências de se envergonhar dele e optar por uma vida fácil neste mundo quando chegasse o dia da Sua glória (8.34-38), Jesus traz uma nota de encorajamento para aqueles que se dispusessem a tomar sua cruz num discipulado fiel (9.1). A vinda do Filho do Homem em Sua glória, marca na Bíblia o estabelecimento do grandioso reino de Deus (cf. Dn 7.13-14, 27; Mc 13.26; 14.62). Por isso, há uma continuidade do discurso no final de Marcos 8 e no começo do capítulo 9. A vinda do Messias, Jesus, o Cristo, seria um momento de juízo sobre aqueles que o rejeitassem (8.38), mas, também, do desfrute da glória e do poder de Deus dos que, assim como ele, escolhessem o caminho árduo e de humilhação em prol do reino de Deus (9.1).

Alguns presentes no meio da multidão teriam um vislumbre do reino de Deus em seu poder, antes de passarem pela morte. A seqüência do versículo 2 em diante, é, certamente, o cumprimento da afirmação de Jesus no verso 1. Isso porque todos os outros dois evangelistas ligam a afirmação semelhante “ ...alguns do que aqui estão, de modo nenhum experimentarão a morte, antes de verem o Reino de Deus vindo com poder”, com o evento da transfiguração no Monte (cf. Mt 16.28 e 17.1ss; Lc 9.27ss). Além disso, o próprio Pedro que foi testemunha da transfiguração nesses relatos, diz em sua carta:

De fato, não seguimos fábulas engenhosamente inventadas, quando lhe falamos a respeito do poder e da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo; ao contrário, nós fomos testemunhas oculares de sua majestade. Ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando da suprema glória lhe foi dirigida a voz que disse: “Este é o meu filho amado, de quem me agrado”. Nós mesmo ouvimos essa voz vinda dos céus, quando estávamos com ele no monte santo (2 Pe 1.16-18).

Muito do que encontramos no evento forma um paralelo interessante com o livro do Êxodo. Jesus é apresentado não apenas como o Segundo Moisés, mas como aquele que o supera e, portanto, é maior do que ele. A glória do Rei e o poder do reino são revelados no Monte, e isso ocorre seis dias depois (9.2), assim como em Êxodo, Moisés aguarda seis dias para se encontrar com Deus e Sua glória no Monte Sinai (Êx 24.15-16). Jesus se transforma em um aspecto glorioso no Monte e os discípulos ficam tomados pelo pavor (9.3, 6), da mesma forma Moisés tem seu rosto resplandecente devido à presença de Deus, no Sinai e todos temem se aproximar dEle (Êx 34.29-30).

Apenas uma parte dos discípulos está com Jesus, o mesmo grupo que esteve com ele em outras ocasiões particulares (cf. 5.37; 14.33). Quando se encontram no monte, algo surpreendente ocorre, Jesus é transformado e manifesta a Sua glória diante deles, glória que até então, estava oculta no Jesus de Nazaré (Jo 17.2, 5; Fp 2.5-8). A descrição de Marcos aponta para a transformação das vestes de Jesus de um modo resplandecente e glorioso. Vestes brancas estão geralmente associadas a seres celestiais nos evangelhos (Mt 28.3; Mc 16.5; Jo 20.12; cf. At 1.11). Assim a descrição é de uma cena de majestade sobrenatural. Mateus e Lucas falam da transformação no rosto de Jesus como o resplendor do sol (Mt 17.2; Lc 9.29).

Se não bastasse toda a glória manifesta pelo próprio Jesus, dois grandes homens da história de Israel aparecem, ninguém menos que Moisés e Elias. Moisés já havia anunciado a vinda de alguém que falaria em nome de Deus como ele (Dt 18.15ss), e toda a situação lembrava a história da libertação e do Sinai. Além dele, Elias estava presente, já que fora retratado como o mensageiro que prepararia a vinda do Messias (Ml 3.1; 4.5-6). A presença desses sevos de Deus autenticava o ministério divino de Jesus e Sua grandeza. Ele é o cumprimento daquilo que a Lei (Moisés) e os profetas (Elias, entre outros) haviam anunciado. A conversa entre eles se centralizava na sua morte em Jerusalém (Lc 9.31).

Jesus, portanto, é retratado como o Rei Majestoso, o Ser Supremo que revela aos discípulos um vislumbre de Sua glória e poder. Assim como viram esta rápida manifestação de Sua Majestade, os discípulos ali presentes podiam ter certeza de Sua vinda futura como Rei. Jesus não era mais um homem comum, mas sim, o Filho do Homem, o Ser celestial que recebe de Deus toda glória e poder para reinar sobre todos (Dn 7.13-14).

Isso, de certa forma, incentivaria os leitores de Marcos que começavam a enfrentar uma forte oposição por parte da sociedade e logo culminaria na perseguição oficial por parte do Império. Acima de Nero, havia um rei que era digno da total lealdade deles, a que custo fosse, pois Sua Majestade ultrapassa de longe todo o poder de Roma.

Qual o significado da Pessoa de Jesus em Sua vida? Você o encara como Rei e Senhor, como aquele que é digno de toda a nossa devoção? O que dirige sua agenda: os interesses do reino de Cristo ou seus interesses e ambições particulares?

Jesus deve ser o Senhor supremo sobre toda a nossa vida, em seus mínimos detalhes. Ele deve guiar a maneira como vivemos em nossa intimidade, quando ninguém mais está conosco; deve até mesmo subjugar nossos pensamentos de ódio ou de lascívia (Mt 5.21-30). Nas nossas relações de trabalho ou com amigos, Ele precisa guiar as nossas atitudes e ações. O reino de Cristo só será expandido às pessoas que estão ao nosso redor, quando a nossa vida experimentar e demonstrar a Soberania dEle diante de outros (Mt 5.13-16).

Nossa responsabilidade de fazer discípulos, também, reflete o desejo de que o reino de Cristo conquiste outros súditos leais. É exatamente porque Ele reina (Mt 28.18) que somos comissionados a chamar outros a crerem em Cristo e assumirem a vida do discipulado em obediência a Ele (Mt 28.19-20). Uma igreja que não discipula, isto é, não se preocupa com Sua missão de proclamar o evangelho e edificar vidas, mostra que Cristo deixou de ser o Senhor dela.

domingo, 24 de agosto de 2008

É possível Crer sem ser Discípulo?


Creio que em alguns artigos deste blog ficou bem clara minha visão escatológica e hermenêutica dispensacionalista. Até aqui, tenho percebido no dispensacionalismo uma perspectiva que me satisfaz, enquanto leio e procuro entender o texto bíblico.

Mas, algo me incomoda profundamente no meio dispensacionalista: a sua abordagem soteriológica. Esta dicotomia que se faz entre ter a Cristo como Salvador e não como Senhor, ou, entre crer em Cristo e ser discípulo dEle. Isso não é algo novo, já que John MacArthur (um dispensacionalista) escreveu seu livro "The Gospel according to Jesus" há quase vinte anos atrás, criticando essa visão.

Teologias Sistemáticas como a de Chafer e Ryrie, mais a proposta de Scofield em sua Bíblia com anotações, nos revelam um entendimento de que a pessoa pode ser salva, sem, necessariamente, ter Cristo como o Senhor de sua vida. A implicação é que o salvo nem sempre dará frutos de transformação pós-conversão.

Lembro sempre de ouvir João 8.31 como base para a separação do discipulado e fé. Ali pessoas que crêem em Cristo, são chamadas a se tornarem seus discípulos. Eram salvas, mas não discípulas. O problema de tal afirmação é que não leva em conta o contexto. O evangelho de João retrata pessoas que expressam uma fé em Jesus, mas não uma fé, realmente, salvadora. O próprio capítulo 8 continua narrando a conversa de Jesus com esses judeus que, supostamente, "creram nEle" e os chama de filhos do Diabo (8.44), além de afirmar que, de fato, não acreditam em quem Ele afirma ser (8.42-47).

O próprio final do capítulo 2.23-25 de João diz: " ... muitos viram os sinais milagrosos que ele estava realizando e creram em seu nome. Mas Jesus não se confiava a eles, pois conhecia a todos. Não precisava que ninguém lhe desse testemunho a respeito do homem, pois ele bem sabia o que havia no homem". O fato dessas pessoas crerem em Jesus, não significava, necessariamente, que eram salvas, pois não era uma fé que compreendia a majestade e missão da Pessoa de Jesus. Tanto que no capítulo seguinte, Nicodemos se apresenta elogiando Jesus, como Mestre da parte de Deus e o Senhor lhe declara sua total necessidade de nascer de novo, para, realmente, experimentar o reino de Deus em sua vida. Nicodemos é o retrato daqueles que creram em seus milagres: "ninguém pode realizar os sinais milagrosos que estás fazendo, se Deus não estiver com ele" (Jo 3.2), mas ainda precisava "nascer de novo" (3.3).

Por fim, o propósito de João não era apenas levar seus leitores à fé em Cristo, mas a uma fé que frutificasse em discipulado, numa vida abundante por meio de Cristo: "Jesus realizou na presença dos discípulos muitos outros sinais milagrosos ... Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome" (Jo 20.30-31).

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A PATERNIDADE HUMANA E A PATERNIDADE DE DEUS
Salmo 103.13-18
John Piper

Salmo103.13-18

13 Como um pai tem compaixão de seus filhos,
assim o SENHOR tem compaixão dos que o temem;
14 pois ele sabe do que somos formados; lembra-se de que somos pó.
15 A vida do homem é semelhante à relva; ele floresce como a flor do campo,
16 que se vai quando sopra o vento e nem se sabe mais o lugar que ocupava.
17 Mas o amor leal do SENHOR, o seu amor eterno, está com os que o temem,
e a sua justiça com os filhos dos seus filhos,
18 com os que guardam a sua aliança
e se lembram de obedecer aos seus preceitos.

Hoje, na américa e em cerca de 50 outros países no mundo, nós celebramos o Dia dos Pais. Então, eu quero dedicar esta mensagem especialmente aos pais, começando do verso 13: “Como um pai tem compaixão de seus filhos, assim o SENHOR tem compaixão dos que o temem; pois ele sabe do que somos formados; lembra-se de que somos pó”.

A BOA PATERNIDADE APONTA PARA DEUS

Quando esse verso diz: “Como um pai tem compaixão de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem”, isso não significa que o Senhor aprende sobre como ser Deus, ao observar pais humanos. Não significa que Deus quer saber se Ele deveria ser compassivo e, então, percebe que bons pais são compassivos, assim, decide agir do mesmo modo, também.

Não, o que isso significa quando diz: “Como um pai tem compaixão de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem”, é: Quando você vê um bom pai, você está vendo um retrato de Deus. Colocando isso de uma outra forma, Deus designou a paternidade humana para ser um retrato de si mesmo. Deus tinha um filho antes de criar Adão. Ele era Deus, o Pai, antes de ser Deus, o Criador. Ele sabia o que queria retratar antes de criar o retrato.

MOSTRANDO AOS NOSSOS FILHOS COMO DEUS É

O que isso significa neste dia dos Pais, a clara implicação para todos nós, que somos pais, é que fomos designados para expressar a paternidade de Deus – especialmente (não apenas) aos nossos filhos. E isso implica que todos nós aprendemos a ser pais, ao observar Deus cuidando de seus filhos. E implica, também, que os filhos, hoje, aprendem sobre a paternidade de Deus, em grande medida, ao nos observar.

PAIS SÃO COMO O PÓ

A cadeia de influência se move de Deus como o Pai infinitamente perfeito de seus filhos imperfeitos, o qual nos mostra o que a boa paternidade é, assim como podemos mostrar a outros, o que é a paternidade de Deus. Esse, irmãos, é o nosso chamado. Quando Davi diz: “Como um pai tem compaixão de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem”, ele está dizendo: Deus criou a paternidade conforme a sua própria imagem e uma boa paternidade aponta para Deus.

Quando Davi diz no verso 14 que os pais (e o restante de nós) são como o pó (“[Deus] sabe do que somos formados; lembra-se de que somos pó”), isso o leva a refletir sobre a brevidade da vida humana, sobre a vida sem começo nem fim de Deus, e como tais fatos se relacionam com nossos filhos. Vamos ler os versos 15-18:

A vida do homem é semelhante à relva; ele floresce como a flor do campo,
que se vai quando sopra o vento e nem se sabe mais o lugar que ocupava.
Mas o amor leal do SENHOR, o seu amor eterno, está com os que o temem,
e a sua justiça com os filhos dos seus filhos,
com os que guardam a sua aliança e se lembram de obedecer aos seus preceitos.

Logo, os pais precisam perceber que eles não estarão sempre por perto e seus filhos, também, não estarão sempre por perto. O verso 17 fala dos “filhos dos seus filhos”. E a pergunta que um pai deveria fazer é: “Como os meus filhos poderão se beneficiar para sempre do amor de Deus?” “Como eles se tornarão beneficiários da justiça de Deus em lugar de serem condenados por ela?”.

Os versículos 17-18 dão três respostas a esta questão. Preste atenção enquanto leio o texto de novo: “Mas o amor leal do SENHOR, o seu amor eterno, está com os que o temem, e a sua justiça com os filhos dos seus filhos, 18 com os que guardam a sua aliança e se lembram de obedecer aos seus preceitos”. O amor leal de Deus e Sua justiça seguirão seus filhos de geração em geração se três fatos ocorrerem: 1) Se eles temerem a Deus (v. 17); 2) se eles guardarem a Sua aliança (v. 18); e 3) se eles obedecerem aos Seus mandamentos (v. 18).


GUARDANDO A ALIANÇA COM DEUS, HOJE

Vamos nos concentrar por apenas um momento, no segundo requisito: “ e a sua justiça com os filhos dos seus filhos, com os que guardam a sua aliança”. O que guardar a aliança de Deus significa, hoje? As coisas mudaram desde que o Messias veio. Na Última Ceia, Jesus ergueu o cálice representando seu próprio sangue e disse: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vocês” (Lc 22.20).

O que Ele quis dizer é que há agora uma nova aliança entre Deus e Seu povo. Essa requer tanto comprometimento quanto a antiga. O que a nova aliança proporciona do lado de Deus é o sangue de Cristo para cobrir os nossos pecados e o poder do Espírito para nos capacitar a andar em novidade de vida. O que a nova aliança requer de nós é que sejamos unidos a Cristo pelo novo nascimento e que recebamos a Cristo como nosso Salvador, Senhor e Tesouro de nossas vidas. Desse modo, o sangue e a justiça de Cristo são imputados sobre nós.

Assim, os versos 17 e 18 dizem que o amor de Deus e a justiça dEle abençoam nossos filhos, se eles mantêm a aliança de Deus, o que implica, hoje, que eles devem ser levados a receber a Cristo como o Salvador e Senhor supremamente precioso de suas vidas. Os outros dois requisitos que Davi menciona são o temor a Deus (v. 17) e a obediência aos seus mandamentos (v. 18).

TEMOR A DEUS

O verso 17 diz: Mas o amor leal do SENHOR, o seu amor eterno, está com os que o temem”. Eu entendo que temer a Deus significa que Deus é tão Poderoso, tão Santo, tão Temível para nós que não ousamos fugir dEle, mas apenas correr até Ele, por tudo aquilo que Ele nos promete. Então, temer a Deus não é diferente de vir ao Messias, Jesus. Esse é o caminho que nós vimos. Nos achegamos a Ele reverentemente, humildemente, sem qualquer presunção de que Deus deva qualquer coisa a nós. Nós vimos tremendo – como aprendemos da última vez, vimos quebrantados e contritos.

FÉ REAL NO REDENTOR

E o terceiro requerimento que Davi menciona para os nossos filhos experimentarem a justiça de Deus como salvadora, não condenadora, está no verso 18: “com os que ... se lembram de obedecer aos seus preceitos”. Isso significa que a fé no Redentor deve ser real. Real confiança em Cristo, real submissão à sua lei, real entesouramento de seu valor que muda as nossas vidas. Então, o requisito de obediência no verso 18 é, simplesmente, que o nosso temor de Deus, nossa confiança em Cristo seja real, efetiva, frutífera. Isto é Cristo, seu sangue e sua justiça, que nos perdoa e nos justifica. Mas, nossa obediência, nossa justiça, imperfeita como é, mostra que Deus tem nos salvado, que nossa fé é real. Somos, verdadeiramente, guardadores de aliança. Nós nos apegamos firmemente ao nosso substituto entesourado, Jesus Cristo.

Pais, sabemos que somos como o pó. Somos como a erva. Florescemos como a flor do campo. O vento sopra sobre ela e ela vai, e nem se sabe mais o lugar que ocupava (vv. 15-16). Após nós, vêm nossos filhos e os filhos deles. A pergunta que nos fazemos é: “Eles temerão a Deus, guardarão sua aliança e obedecerão aos seus mandamentos?”. Se eles o fizerem, o amor leal de Deus e a justiça dEle os abençoará para sempre.
Traduzido e Adaptado de parte do sermão PIPER, John. Bless the lord, O my soul. Junho/2008. Disponível em http://www.desiringgod.org/.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Síntese do Livro
HASEL, Gerhard F. Teologia do Novo Testamento. In: HASEL, Gerhard F. Teologia do Antigo e Novo Testamento: questões fundamentais no debate atual. São Paulo: Academia Cristã, 2007.

INTRODUÇÃO

Hasel inicia seu estudo sobre a teologia do NT (Novo Testamento), declarando a crise desta nos dias contemporâneos, não pela falta de interesse, mas pela falta de concordância em questões fundamentais. Cita teólogos que comprovam sua afirmação e exemplifica a crise com o debate atual sobre a função da mensagem de Jesus na teologia do NT.

CAPÍTULO 1: PRIMÓRDIOS E DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA DO NT

Neste capítulo, o autor propõe um estudo sobre o desenvolvimento histórico da teologia do NT, pois, isso auxilia na compreensão do debate contemporâneo sobre a natureza, função, método e propósito dela. Apresenta a reforma como precursora da TB (Teologia Bíblica), mas esta só tem seu início, como disciplina, um século depois, ainda subserviente à dogmática.

Com o iluminismo, a TB é influenciada pelo racionalismo e se desenvolve o método “histórico-crítico”. Assim, a TB recebe um enfoque histórico-descritivo que culmina na ruptura com a sistemática, analisando o texto apenas em seu contexto antigo sem relacioná-lo com os dias modernos. Outros enfoques surgem. O método da “história das religiões” submete o texto ao princípio da religião universal. A escola “histórico-positiva” mescla a metodologia histórica com a abordagem dogmática. E o enfoque da “história da salvação” entende as Escrituras como proclamação da ação salvífica de Deus dentro da história, especialmente em Jesus Cristo.

Após a Primeira Guerra, há a descrença no naturalismo evolucionista e na possibilidade da “objetividade” científica. Surge a teologia dialética. Nesse contexto, emerge Bultmann, influenciado pela história das religiões e pela filosofia existencialista de Heidegger. A teologia do NT no meio católico se desenvolve no século XX. O enfoque da Heilsgeschichte reaparece no cenário recente da teologia do NT.

CAPÍTULO 2: METODOLOGIA NA TEOLOGIA DO NT

O capítulo dois delineia as metodologias atuais mais importantes na teologia do NT. A primeira é a abordagem temática, que pode tanto implicar no uso de temas dogmáticos para a abordagem do NT ou no estudo longitudinal de conceitos e temas inerentes ao NT.

A metodologia existencialista é fruto da influência heideggeriana na abordagem do NT. Trabalha-se tanto com os métodos críticos na reconstrução dos escritos do NT, como com a interpretação do significado dos textos para hoje. A teologia do NT é estudada antropologicamente.

O enfoque histórico busca a compreensão dos autores do NT no próprio contexto deles dentro da igreja primitiva. Trabalha-se na unidade existente entre os autores do NT e, também, entre a proclamação de Jesus e da Igreja.

A abordagem da história da salvação, ainda que existam diferenças entre seus principais expoentes, apresenta um entendimento da revelação bíblica como a descrição ou interpretação do agir salvífico divino na história. Os autores bíblicos apresentam Deus ativo na história, revelando-se e redimindo o homem.

Por fim, Hasel aborda aspectos fundamentais da teologia do NT. Na abordagem temática mostra a limitação na seletividade de temas no estudo do NT, pois o NT possui uma natureza variada de pensamento; aponta para a questão polêmica e indissolúvel se a fé cristã do NT remonta ao próprio Jesus ou se é criação da igreja primitiva; lança a questão se a empreitada da teologia do NT deve ser descritiva ou teológica; e, finalmente, fala sobre o debate da separação ou união entre “o que queria dizer” o texto e “o que quer dizer”.

CAPÍTULO 3: O CENTRO E A UNIDADE DA TEOLOGIA DO NT

Neste capítulo, Hasel levanta a questão da possibilidade de um centro do NT, no qual se perceba uma unidade teológcia entre os autores e escritos. Ao mesmo tempo, há a crítica do conteúdo que entende o centro do NT como o critério de “cânon dentro do cânon”. Alguns como Bultmann e Braun vêem na antropologia o centro pelo qual se deve estudar o NT. Acabam por enfatizar certos autores e escritos do NT e não dar importância para outros, de acordo com o critério da antropologia existencialista.

Cullmann vê na “história da salvação”, isto é, o agir redentor e revelador de Deus na história, como o centro unificador do NT. Outros centros são defendidos por diferentes autores, inclusive o Pacto, mas nenhum deles consegue tratar de forma abrangente a totalidade do NT.

Hasel apresenta uma discussão sobre a cristologia como o centro do NT e outras propostas de centros no meio católico e luterano. Conclui que a cristologia pode ser vista como o centro dinâmico e unificador do NT, mas não pode ser tida como uma estrutura para se escrever uma teologia do NT. No final do capítulo, reserva sua atenção para a discussão do “cânon dentro do cânon” e mostra que a diversidade de centros como normas na “crítica do conteúdo” do NT evidenciam fraquezas insuperáveis e arbitrariedade confessional.

CAPÍTULO 4: A RELAÇÃO DO NT E O AT

Nesta parte do livro, foca-se na questão de continuidade e descontinuidade entre o AT (Antigo Testamento) e o NT, e a direção que a leitura das Escrituras de ter, se do AT para o NT ou do NT para o AT, ou ambas. Marcião é um exemplo da descontinuidade e desunião entre o AT e NT, já que considerava haver diferenças fundamentais entre os dois. Tal pensamento teve sua continuidade em estudiosos que valorizaram o NT e desprezaram o AT, tratando este como dispensável ou não cristão. Do outro lado, alguns supervalorizaram o AT por enfatizarem um tema específico central como o “reino de Deus” ou visualizaram questões tratadas no AT que não se encontram no NT.

Hasel propõe padrões de unidade entre os Testamentos. O primeiro é a “conexão histórica”, já que ambos relatam a história contínua do povo de Deus e deste agindo de forma redentora. Há a “dependência escritural” em que o NT cita o AT como fundamento. Também, o “vocabulário” em que palavras chaves gregas do NT têm sua origem em palavras hebraicas desenvolvidas no AT.
Dentre outras idéias, a de promessa-cumprimento evidencia um relacionamento inerente entre os testamentos. Igualmente, a orientação para o futuro, em que o NT preenche lacunas do AT e, ainda, lança o olhar mais para frente, na plenitude do fim dos tempos.

CAPÍTULO 5: PROPOSTAS BÁSICAS PARA UMA TEOLOGIA DO NT

Por fim, Hasel lança propostas básicas para uma teologia do NT. Defende a teologia do NT como parte da TB e, por isso, deve ser vista como disciplina histórico-teológica, trabalhando ao lado da exegese e se submetendo à experiência da fé proclamada pelos autores bíblicos. Propõe o estudo de livros e blocos de escritos, separadamente, e, então, a percepção das ligações bem como as diferenças entre eles. Dentro disso, deve-se buscar mostrar a unidade da teologia do NT, destacando temas e conceitos longitudinais nos livros e as relações intrínsecas dos escritos do NT, analisando o todo, não um grupo de escritos escolhidos arbitrariamente.

Finalmente, por ser teologia do NT, ela está inserida no contexto maior do cânon bíblico e deve ser estudado em seu relacionamento básico de unidade com o AT.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Síntese do livro
HASEL, Gerhard F. Teologia do Antigo Testamento: questões fundamentais no debate atual. 2 ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1992.

INTRODUÇÃO

O autor do livro introduz sua discussão sobre a teologia do AT (Antigo Testamento) afirmando a continuidade de problemas e questões ainda sem solução na teologia do AT. Para fundamentar sua perspectiva cita trabalhos sobre TB (Teologia Bíblica) contemporâneos à sua obra que continuam a debater questões centrais da disciplina.

CAPÍTULO 1: ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA DO AT

Aqui, Hasel observa as tendências e direções dentro da história da teologia do AT. Ele inicia sua abordagem a partir da reforma, indicando-a como solo preparatório para a TB e o seu desenvolvimento, um século depois, mas ainda, subserviente à dogmática.

Dentro do iluminismo, o estudo da Bíblia é influenciado por concepções racionalistas e, conseqüentemente, anti-sobrenauralistas. É nesse ambiente que ocorre a cisão definitiva entre a teologia dogmática e a TB, quando esta assume um papel puramente histórico-crítico.

No século XIX, a TB passa a ser influenciada pelo método da história das religiões e por Hegel. Enfatiza-se a separação da teologia do AT e NT (Novo Testamento). Ocorre a reação conservadora com a escola da história da salvação e sua ênfase na inspiração e unidade dos testamentos. Pouco depois, a TB é eclipsada pelo método da história da religião, onde o AT é visto como uma coletânea de textos de diversas épocas que revelam a reflexão religiosa hebraica.

Nas décadas que se seguiram à primeira guerra mundial, houve um reavivamento da TB, movido por fatores como a perda da fé no naturalismo evolutivo e a reação à possibilidade da “objetividade” científica. Com isso, os problemas fundamentais da teologia do AT, como método, natureza e tema central, voltam a ser foco de debate.

CAPÍTULO 2: O PROBLEMA DA METODOLOGIA

Gerhard Hasel destaca cinco métodos do estudo da teologia do AT e suas respectivas dificuldades. O primeiro deles é o descritivo, o qual propõe que a tarefa do teólogo bíblico é simplesmente descritiva e histórica. Já, o método confessional baseia-se na distinção entre história da religião e a teologia do AT. A primeira é vista como uma disciplina imparcial e descritiva, e a outra como estudada pelo prisma da fé cristã.

Com W. Eichrodt surge o método dissecativo, que se aferra à história, todavia, busca entender a unidade estrutural da crença do AT por meio de um conceito. Une-se o princípio histórico com o sistemático. Por outro lado, o método diacrônico, estuda o AT como um mundo dos testemunhos de Israel acerca das palavras e feitos de Deus na história.

O último método apresentado é o da “Nova Teologia Bíblica”, proposto por Childs. Vê a TB como uma disciplina de cunho cristão, entendendo a tradição bíblico-canônica como autoritativa. Há a ênfase na relação recíproca entre o AT e o NT.

CAPÍTULO 3: A QUESTÃO DA HISTÓRIA, HISTÓRIA DA TRADIÇÃO E HISTÓRIA DA SALVAÇÃO

Aqui é tratada a questão suscitada por Gerhard von Rad quando diferencia a história dos testemunhos de Israel do método moderno histórico crítico, enfatizando o primeiro na tarefa da teologia do AT e dando margem para duas apreciações históricas na abordagem do AT. Franz Hesse, então, critica von Rad por sua duplicidade de visão histórica e propõe o método histórico-crítico como o que deve ser adotado ao se estudar a História de Salvação no AT, sem perceber, todavia, as premissas filosóficas que influenciam tal metodologia. Eichrodt defende uma reunificação das duas versões de história em prol da fidedignidade do testemunho bíblico.

W. Pannenberg critica o método histórico-crítico por ser influenciado pelo positivismo e neokantismo. Entende a história como uma realidade em seu todo e, assim, a história a salvação se torna idêntica à história universal. H. Kraus compreende que a teologia do AT só se perfaz quando entende o contexto textual do cânon como verdade histórica e busca explicá-la. Hasel termina, propondo a restauração da unidade original dos fatos do AT, sem uma dicotomia histórica, e a compreensão de seu devido significado.

CAPÍTULO 4: O CENTRO E A TEOLOGIA DO AT

G. Hasel parte do enfoque dado por Eichrodt de um centro unificador interno do AT. Este entendia a aliança como o núcleo sistematizador do AT. Vários outros temas propostos são expostos e seus defensores, mas com tanta diversidade de centros, o autor mostra que sistematizar o AT, cuja natureza é multiforme, com base em um centro, é insatisfatório e limita o estudo deste.

Neste sentido, cita von Rad e sua oposição ao centro do AT devido aos diversos atos separados de Deus na história narrada. Aqui von Rad acaba traindo sua proposta, ao entender que a teologia deuteronomista de história do julgamento e salvação de Deus se constitui o centro por meio do qual deve-se interpretar o AT. Porém, von Rad não apresenta uma justificativa legítima para seu centro e outros poderiam ser escolhidos, partindo do mesmo critério. Ainda, outros centros como o primeiro mandamento ou um núcleo duplo são apresentados, mas, também, possuindo deficiências de justificativa ou de limitação.

Hasel, por fim, propõe que um centro do AT é importante, mas como conceito dinâmico, não sistematizador. Entende ser este centro o próprio Deus que permeia todo o AT.

CAPÍTULO 5: A RELAÇÃO ENTRE OS TESTAMENTOS

Nesta parte, o livro aborda as questões de continuidade e descontinuidade entre o AT e NT. Apresenta, primeiramente, teólogos que não vêem relevância teológica na relação entre os testamentos por entenderem que a história de Israel no AT é de fracasso. Por outro lado, há aqueles que valorizam em demasia o AT, encarando o NT apenas como glossário daquele.

Hasel cita as propostas de conexão entre os testamentos mediante a tipologia ou o esquema de promessa e cumprimento, mas lembra que apesar da validade de ambas, não podem ser vistam como a única conexão. Além disso, o autor entende que o contexto amplo canônico e a relação de mão dupla entre os testamentos devem direcionar a tarefa do biblista, sem ignorar o contexto histórico do texto e sua relação dentro do livro em que se encontra.

Por fim, Hasel propõe uma abordagem multíplice da relação AT-NT, em conexões padrões como a história contínua do povo de Deus, citações, termos teológicos e temas principais correspondentes, a categorias de promessa e cumprimento, história da salvação, entre outros.

CAPÍTULO 6: SUGESTÕES ESSENCIAIS PARA SE ELABORAR UMA TEOLOGIA DO AT

Depois de abordar as questões fundamentais, Hasel faz propostas básicas para se realizar a teologia do AT. Primeiro, propõe que a TB é uma disciplina histórico-teológica, cabendo ao teólogo bíblico descrever o que o texto significou e explicar seu sentido para hoje. Por conseguinte, a metodologia deve ser histórico-teológico rejeitando a limitação dos pressupostos histórico-críticos. Ainda, compreende que a teologia do AT deve se preocupar com a teologia dos livros ou blocos de escritos do AT, sem uma fórmula limitadora. Mas, por outro lado, deve reunir e expor os principais temas longitudinais que afloram do AT.

Por último, propõe a demonstração da unidade da teologia do AT, relacionando suas teologias e temas. Também, a abordagem das conexões múltiplas do AT com o NT.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A GRAÇA DE DEUS
Parte 2

AS CORES DA GRAÇA DE DEUS

A graça assume vários matizes na nossa salvação. Salvação e graça estão intimamente relacionadas, como causa e efeito: “Pela graça sois salvos” (Ef 2.8) e “A graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tt 2.11). Não temos mérito em nossa salvação:

Mas, há uma voz de graça principesca,
Que ressoa da Santa Palavra de Deus,
Ah! Pobre pecadores cativos,
Venham e confiem no Senhor!

Minh’alma obedece ao soberano chamado,
E corre até este alívio;
Quero crer em Tua promessa, Senhor,
Ó, ajuda em minha incredulidade.

À bendita fonte de Teu sangue,
Deus encarnado, corro,
Para lavar minh’alma de manchas escarlate,
E pecados da cor mais profunda.

Como verme vil, débil e impotente,
Em Tuas mãos me entrego;
Tu és o Senhor, minha justiça,
Meu Salvador, o meu tudo!

1 – A Graça como Fonte de Perdão dos Pecados

A doutrina da justificação nos ensina o perdão de nossos pecados e aceitação de nossa pessoa diante de Deus. Saímos da posição de um criminoso condenado que aguarda uma terrível sentença, para a de um herdeiro que espera uma herança grandiosa! “sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.24). A nossa justificação não nos custa nada, mas teve um alto custo para Deus: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós...” (Rm 8.31, 32).

Em Efésios, Paulo dirá: “Nele temos a redenção por meio de seu sangue, o perdão dos pecados, de acordo com as riquezas da graça de Deus” (Ef 1.7). Essa maravilhosa graça, demonstrada na justificação, deve nos deixar maravilhados e agradecidos por tão grande demonstração de amor!

2 – A Graça como o Motivo do Plano da Salvação

Paulo descreve o plano de salvação de Deus em várias partes de suas cartas. De modo específico ele o faz no livro de Efésios 1.3 – 2.10, e atribui todo o plano salvador de Deus à graça dEle. Ali descreve a eleição e adoção como filhos (vv. 3-4), o perdão de pecados (v. 7), a iluminação para compreender Sua salvação (vv. 8-9), a presença do Espírito Santo em nós e a glorificação futura (vv. 13-14). Tudo isso, diz Paulo, é devido à graça de Deus e para o louvor da graça dEle (vv. 5-7, 12, 14). A regeneração tão belamente descrita em 2.1-10, quando Deus nos concede vida com Ele, um relacionamento real que não possuíamos antes, é fruto da graça de Deus (vv. 4-5, 8). A graça é o motor propulsor da salvação grandiosa que Deus opera em nossas vidas!

A RESPOSTA APROPRIADA

Dizem que a doutrina no Novo Testamento é graça e a ética é gratidão. Sem dúvida, as misericórdias de Deus, demonstradas por nós na eleição, justificação, santificação e glorificação, deve nos levar a oferecermos nossas vidas a Deus como sacrifício vivo, santo e agradável a Ele (Rm 12.1). Não há como querer permanecer no pecado para que a graça seja mais abundante, porque essa graça nos levou a morrer para o pecado e para a lei que nos escravizava, concedendo vida com Deus em uma vida justa (Rm 6.1ss). Tito 2.11-12 nos lembra que “a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que renegadas a impiedade e paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente”.

Isso, certamente, deve produzir em nós uma atitude de graça para com os outros irmãos, diante de suas falhas e erros: “Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo. Portanto, sejam imitadores de Deus como filhos amados, e vivam em amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus” (Ef 4.32 – 5.2). E não apenas para com nossos irmãos em Cristo, mas, inclusive, com aqueles que ainda não conheceram a graça de Deus em suas vidas, lembrando do quanto Deus foi bondoso para conosco:

... estejam sempre prontos a fazer tudo que é bom, não caluniem ninguém, sejam pacíficos, amáveis e mostrem sempre verdadeira mansidão para com todos os homens.
Houve tempo em que nós também éramos insensatos e desobedientes, vivíamos enganados e escravizados por toda espécie de paixões e prazeres. Vivíamos na maldade, sendo detestáveis e odiando uns aos outros. Mas quando da parte de Deus, nosso Salvador, se manifestaram a bondade e o amor pelos homens, não por causa de atos de justiça por nós praticados, mas devido à sua misericórdia, Ele nos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espírito santo ... a fim de que, justificados por sua graça, nos tornemos seus herdeiros, tendo a esperança da vida eterna.

É por meio de nós, Igreja do Senhor Jesus, que o mundo conhecerá a graça de Deus!

CONCLUSÃO

Para mim, um dos homens que melhor captou o significado da graça na história da Igreja Cristã foi John Newton, autor do hino “Amazing Grace” (“Maravilhosa Graça”). Ex-comerciante de escravos negreiros, experimentou uma mudança total em seu viver num encontro com Cristo, quando enfrentava um naufrágio. No final de sua vida, quando perdia sua memória, disse o seguinte: “Minha memória já quase se foi, mas eu recordo duas coisas: Eu sou um grande pecador, Cristo é o meu grande salvador”. Em seu túmulo, encontramos o seguinte: “John Newton, uma vez um infiel e um libertino, um mercador de escravos na África, foi, pela misericórdia de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, perdoado e inspirado a pregar a mesma fé que ele tinha se esforçado muito por destruir”. Essa é a maravilhosa graça de Deus na vida de pecadores indignos como Newton e, também, como eu e você.

Nota: A maior parte do esboço e boa parte deste artigo sobre "A Graça de Deus" (Parte 1 e 2) foram adaptados de PACKER, J.I. El conocimiento del Dios Santo. Miami, FL, EUA: Vida. 2006. p. 166-178.

A GRAÇA DE DEUS
Parte 1

INTRODUÇÃO

A graça é exaltada pelos estudiosos cristãos como uma atividade pessoal de Deus em amor ao homem. As palavras cháris e agápe são consideradas como uso especificamente cristão, desconhecidas na ética e filosofia greco-romana, expressando uma espontânea bondade autodeterminada de Deus na direção de pecadores indignos.

Ao longo da história da igreja, a graça sempre teve seus defensores: Paulo contra os judaizantes, Agostinho contra Pelágio, os reformadores contra a teologia medieval católica, e assim por diante. Paulo podia dizer: “Pela graça de Deus sou o que sou” (1 Co 15.10), e “não rejeito/anulo a graça de Deus; pois se a justiça vem pela Lei, Cristo morreu inutilmente!” (Gl 2.21).

A prática cristã, todavia, demonstra uma apatia e indiferença para com a graça de Deus. Se você comenta sobre o último jogo de futebol, ou sobre os estudos e projetos no trabalho, sobre os programas da igreja, as pessoas demonstram um entusiasmo em falar disso. Mas, experimente propor uma reflexão sobre a graça numa conversa comum e, logo, perceberá que pouco as pessoas têm a pensar sobre isso e nenhum entusiasmo parece haver. Qual o motivo dessa total falta de consideração para com a sublime graça de Deus?

A FALTA DA GRAÇA EM NOSSO MUNDO

Algumas questões básicas esquecidas poderiam ser apresentadas para explicar a falta de significado da graça de Deus na vida dos crentes modernos:

1 – A Falta de Merecimento do Homem e A Justiça Retributiva de Deus

Os homens, hoje em dia, tendem a ter um conceito alto a respeito de si mesmos. Pensam que são bons, e têm dificuldade em levar a sério o fato de que há algo errado consigo. Geralmente, o mundo material tende a tomar mais importância que o moral e, assim, as pessoas se contentam em cultivar pequenas virtudes, achando que isso é suficiente para cobrir seus grandes defeitos e vícios. Esses últimos são tidos como comuns a todos os homens.

Por outro lado, o homem cria um deus a sua própria imagem que é complacente com os pecados humanos. Consciente de seus próprios erros, o homem passa admitir as barbáries da vida como algo normal, já que ele mesmo se habituou a dar corda solta a seus pecados. Critica-se aqueles que querem estabelecer um moral séria para sua própria vida, entendendo que não há princípios e conseqüências fixas diante das escolhas dos homens. Não enxergam a Deus como aquele que é “tão puro de olhos que não podes ver o mal” (Hc 1.13) e como o Juiz “que não deixa o pecado sem punição” (Nm 14.18). Portanto, não se vêem merecedores do justo castigo divino.

2 – A Impotência Espiritual do Homem e a Liberdade Soberana de Deus

O livro “Como ganhar amigos e influenciar pessoas” de Dale Carnegie é quase uma Bíblia moderna que ensina como colocar uma pessoa numa posição em que ela não consiga dizer não. Algo muito parecido os homens buscam fazer com Deus. Os pagãos de antigamente pensavam que alcançariam algum favor de Deus, ao oferecer presentes e sacrifícios; os pagãos modernos buscam fazer isso por meio da moralidade ou das atividades eclesiásticas. Crêem que Deus se torna escravo de nossas boas ações. Esquecem-se do que disse Toplady:

Não são as obras de minhas mãos
Que podem cumprir as demandas de Tua lei.
Ainda que meu céu não conhecesse descanso,
Ainda que as minhas lágrimas corressem interminavelmente,
Nada disso poderia expiar meu pecado,
Tu tens que me salvar, somente Tu.

Romanos 3.20 dá o veredicto de que nenhum ser humano será justificado diante Deus pelas obras da lei.

Deus é completamente livre, em nada depende de suas criaturas (Sl 50.8-13; At 17.25). Apenas Deus desfruta de tal liberdade. Nenhum ser humano, jamais experimentou a total liberdade de Deus. Assim, a salvação “não depende do desejo ou esforço humano, mas da misericórdia de Deus” (Rm 9.16). Por isso, Ele diz: “Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão” (Rm 9.15). Se somos salvos é simplesmente pela decisão graciosa de Deus.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

O DEUS IMUTÁVEL - Parte 2


DEUS É IMUTÁVEL EM SEUS PLANOS E PROPÓSITOS

O desdobramento do Deus que é imutável em seu Ser é a imutabilidade de seus planos e obras. “O que Deus faz no tempo, planejou desde a eternidade. E o que planejou na eternidade, leva a cabo no tempo”.1 Deus não muda em seu modo de pensar nem no que projetou para cumprir na história. “Mas os planos do SENHOR permanecem para sempre, os propósitos do seu coração, por todas as gerações” (Sl 33.11). Jó reconheceu isso de modo sublime: “Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos pode ser frustrado”(Jó 42.2). Nisso Deus difere completamente de nós, seres humanos:

Há duas causas que fazem o homem mudar de opinião e inverter seus planos: a falta de previsão para antecipar-se aos acontecimentos e a falta de poder para cumpri-los.
Mas, tendo admitido que Deus é onisciente e onipotente, nunca precisa corrigir seus decretos ... é por isso que lemos acerca da “natureza imutável do seu propósito” (Hb 6.17).
(A.W.Pink)

É com base na imutabilidade do propósito de Deus que o autor de Hebreus motiva seus leitores a confiarem nEle e em Sua promessa. É essa imutabilidade de propósito e caráter que produz esperança em nós e nos mantém firmes e perseverantes na fé porque Deus é Fiel para cumprir o que prometeu (Hb 6.11-20). O plano e as promessas imutáveis de Deus impediram Balaão de amaldiçoar o povo escolhido de Deus: “Deus não é homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa. Acaso Ele fala, e deixa de agir? Acaso promete, e deixa de cumprir? Recebi uma ordem para abençoar; Ele abençoou, e não posso mudar isso” (Nm 23.19-20).

A IMUTABILIDADE DE DEUS E SUAS IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

A primeira implicação prática da imutabilidade de Deus para nós como cristãos é o conforto e o consolo de que as promessas dEle em Sua Palavra são reais não só para a época dos crentes do século I, como também, para nós, hoje, já que elas não mudam. Deus continua perdoando pecados daqueles que confessam suas falhas a Ele (1 Jo 1.9). Também, mantém-se sempre pronto a nos dar a Sua paz quando colocamos diante de Sua presença nossas preocupações e problemas (Fp 4.6-7). A certeza de que estará conosco hoje, como esteve com os primeiros discípulos, deve nos motivar a proclamar o evangelho (“eu estarei com vocês, até o fim dos tempos” - Mt 28.19-20). A convicção de que Ele é Fiel e sempre nos dará as condições necessárias para enfrentarmos nossas provações, nunca além do que podemos suportar, nos anima a passar por elas de um modo que o agrade (1 Co 10.13).

Alguns crentes hoje em dia ignoram a justiça de Deus e transformam a graça dEle em libertinagem (Jd 4). Acham que Deus age de forma diferente atualmente, de como agiu na época do Antigo Testamento. Acabam criando dois deuses diferentes, uma espécie de neo-marcianismo2 evangélico. Mas, se Deus é sempre o mesmo, Ele não abriu mão de Sua justiça, nem deixou de disciplinar aqueles de Seu povo que o desobedecem. Assim como Moisés declarou: “A mim pertence a vingança; eu retribuirei ... O Senhor julgará o Seu povo”(Dt 23.35, 36), o autor de Hebreus confirmou a mesma verdade para nós cristãos (Hb 10.30). Diante disso, precisamos cultivar uma vida de temor e tremor perante Deus, já que é imutavelmente “fogo consumidor” (Hb 12.29; cf. Dt 4.24).

Por fim, nas tragédias da vida, a imutabilidade de Deus é um consolo imenso de que Ele não deixou de ser sábio e bondoso conosco, nem perdeu o controle da situação. Essa é uma verdade que o teísmo aberto tem atacado com suas falácias. Diante de situações de profundo sofrimento, este sistema dirá que Deus não sabia que isso ocorreria e que não fazia parte do Seu plano. Isso rouba a esperança e tira a confiança de qualquer cristão na Soberania de Deus, em que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, dos que são chamados segundo o Seu propósito” (Rm 8.29). Deus é Soberano sobre tudo e nada altera Seu plano, nenhuma negligência ou maldade humana, nenhum desastre natural, nada do que ocorre foge do plano Sábio, Bom e Soberano de Deus, pois “bem sei que tudo podes, nenhum dos teus planos pode ser frustrado”! Isso deve sempre consolar o nosso coração, sabendo que Deus continua Justo e Amoroso em meio às adversidades da vida. Como diria John Piper:

Da menor coisa à maior, boa e má, feliz e triste, pagão e cristão, dor e prazer – Deus governa tudo por Seus sábios, justos e bons propósitos (Is 46.10).3

1 PACKER, J.I. El conocimiento del Dios Santo. Miami, FL: Vida, 2006.

2 Márcion foi um herege do século II que afirmava que o Deus do Antigo Testamento era mau e cruel, ao passo que o Deus do Novo era amoroso e bom.

3 PIPER, John. Grounds for dismay: the error and the injury of Open Theism In: Piper, John, et al. Beyond the bounds. Wheaton, Illinois: Crossway Books, 2003. (tradução minha).

O DEUS IMUTÁVEL - Parte 1

INTRODUÇÃO

O século XX assistiu ao nascimento de uma teologia conhecida como “Teologia do Processo”. Ela afirmava que Deus, ao se relacionar com sua criação, encontra-se em processo de mutação, aperfeiçoando seu caráter à medida que se envolve com suas criaturas. Para tal teologia, um deus verdadeiramente relacional que interage com pessoas dentro do tempo e do espaço, necessariamente irá se desenvolver enquanto ser, assim como as pessoas amadurecem e mudam no contato umas com as outras. Esse era o deus mutável da “Teologia do Processo”.

Em anos mais recentes, na década de 80, Clark Pinnock, escreveu um artigo intitulado “God limits his knowledge”[Deus limita seu conhecimento], dando início àquilo que se difundiu sorrateiramente dentro da teologia evangélica, conhecido como “Open Theism”, em português “Teísmo Aberto”.1 O Teísmo Aberto não atacou diretamente a imutabilidade de Deus, e sim, a sua onisciência. Todavia, como conseqüência de tal redefinição do conhecimento de Deus, isso, conseqüentemente, afetou verdades das Escrituras que se relacionam intimamente com a imutabilidade do caráter dEle. Já que Deus não pode conhecer o futuro, apenas a realidade passada e presente, logo, a cada ação humana, Ele adapta seus planos. Isto é, o plano de Deus para a humanidade está em constante mutação, dependendo do modo como suas criaturas agem e reagem.

O teísmo aberto tem penetrado na igreja evangélica brasileira com um outro nome, “Teologia Relacional”. O rótulo mudou, mas a essência da praga é a mesma. Com isso, é urgente nos voltarmos para as Escrituras e compreendermos o que elas afirmam acerca do caráter imutável de Deus e, também, de seus planos, propósitos e ações que são coerentes com Seu ser.

DEUS É IMUTÁVEL EM SEU SER E EXISTÊNCIA

Como bem declarou Arthur W. Pink:

[A imutabilidade] é uma das excelências que distinguem o Criador das criaturas. Deus é o mesmo perpetuamente, não está sujeito à mudança alguma no seu ser, atributos ou determinações.
Por tal atributo, Deus é comparado a uma rocha (Dt 32.4) que permanece imóvel quando o oceano que a rodeia flutua continuamente. Ainda que todas as criaturas estejam sujeitas à mudança, Deus é imutável. Ele não conhece mudança alguma, porque não tem início nem fim, Deus é desde sempre.
Em primeiro lugar, Deus é imutável em sua essência. Sua natureza e ser são infinitos, portanto, não está sujeito a mudança alguma. Nunca houve um tempo em que ele não existisse; nunca haverá um dia em que Ele deixe de existir. Deus nunca evoluiu, cresceu ou melhorou. O que é hoje, tem sido sempre e sempre será. “Eu, o SENHOR, não mudo” (Ml 3.6).2

A Bíblia não se cansa de nos lembrar que Deus é sempre o mesmo. Deus não pode melhorar, nem piorar. É exatamente por ser perfeito que necessariamente é imutável. Ele não amadurece em seu Ser nem se desenvolve. Depois de mostrar aos irmãos de comunidades judaicas dispersas pelo império romano, que Deus não tenta a ninguém com o mal nem pode ser tentado, Tiago faz uma afirmação acerca do caráter bondoso imutável de Deus: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes” (Tg 1.17). O autor da carta apóia sua confiança de que Deus de modo algum pode estar envolvido com o mal, exatamente pelo caráter bom e imutável dEle. Se Deus é bom e imutável, logo não pode praticar o mal nem ser atraído por este, pois se o fizesse, deixaria de ser bom ou precisaria ser imutavelmente mau. Deus não passou a ser bondoso, nem deixará de o ser, Ele é Bom porque é Imutável.

A mesma verdade acerca da imutabilidade de Deus levou o profeta Malaquias a explicar aos seus contemporâneos o único motivo pelo qual ainda não haviam sido destruídos. O povo vinha quebrando a lei de Deus constantemente: casamento com mulheres que não faziam parte do povo da aliança, animais imperfeitos eram oferecidos para sacrificar, sacerdotes negligentes, infidelidade matrimonial, tudo isso provocava a ira justa de Deus contra a nação de Judá. Então, por que Deus não aniquilou aquele povo sempre rebelde (Ml 3.7)? Porque “Eu, o SENHOR, não mudo. Por isso vocês, descendentes de Jacó, não foram destruídos”.

Deus havia feito uma aliança com Abraão, Isaque e Jacó, os patriarcas do povo de Israel, que é constantemente reafirmada no livro de Gênesis (Ex.: Gn 12; 15; 17; 22; 26; 28). Ele abençoaria aquela nação, cuidaria dela e a multiplicaria. O que implicava no fato de que jamais o povo de Israel fosse destruído. Por isso, Deus afirma que eles são “descendentes de Jacó”. Como Deus não muda em Sua fidelidade, sempre cumpre o que promete, a nação de Judá não havia sido destruída. Deus não muda em seu caráter, é sempre Fiel.

Além de não mudar em seu Ser ou em seus atributos, Deus, também, não muda em sua existência. Ou seja, Deus nunca passou a ser, Ele sempre é. “Eles perecerão, mas tu permanecerás; envelhecerão como vestimentas. Como roupas tu os trocarás e serão jogados fora. Mas tu permaneces o mesmo, e os teus dias jamais terão fim” (Sl 102.26, 27). Deus não surgiu nem foi criado, Ele sempre existiu, existe e existirá. Ele não experimenta a velhice, sua vida não diminui nem aumenta, “de eternidade a eternidade tu és Deus” (Sl 90.2). Isso nos dá a garantia de que o mesmo Deus que não muda em nada do que é, também não deixará de existir, por isso, cumprirá todas as Suas promessas e podemos dormir tranqüilos, sem nos preocupar se amanhã Ele estará vivo para manter a ordem do Universo e a nossa existência (At 17.28, 29; Hb 1.3).


1 Ver OWEN, Chad Brand. Defeitos genéticos ou acidentais? A ortodoxia, o teísmo aberto e suas ligações com as tradições filosóficas ocidentais. In: PIPER, John, et al. Teísmo aberto: uma teologia além dos limites bíblicos. São Paulo: Vida, 2006. p. 75-77.

2 PINK, A.W. Los atributos de Dios. (Disponível em www.graciasoberana.com). (Tradução minha).

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Posso recasar se meu esposo se divorcia de mim e se casa com outra?

John Piper

Não. Eu sei que minha posição aqui pela obediência cristã é incrivelmente alta e difícil. Mas, eu não encararia alegremente o fato de que algum dos meus quatro filhos ou minha filha, em algum momento de suas vidas, tivesse que se divorciar. Diante disso, eu, como pai, precisaria enfrentar as implicações desta resposta.

A minha posição é que os esposos divorciados deveriam permanecer solteiros durante todo o tempo em que seu primeiro cônjuge viver.

A razão pela qual eu mantenho essa posição é porque isso sustenta o testemunho, mediante um ministério de solteiro alegre e engajado – não enfadonho – de quão altamente a aliança do casamento, a representação da aliança entre Cristo e a igreja, deve ser estimada. Isso é uma alta e clara declaração que Jesus Cristo realmente ama Sua igreja e Sua igreja realmente o ama. E esta é uma representação de aliança inquebrável.

O motivo pelo qual estou disposto a tomar tal postura é porque eu desejo dizer em alto e bom tom a uma cultura do divórcio fácil e do recasamento que vocês não estão dizendo a verdade acerca da aliança de Cristo com sua noiva. Ele jamais se divorcia dela e ela nunca se divorcia dele. Esta é uma aliança eterna; portanto, nós faríamos bem em testemunhar à nossa cultura com esta bela resolução.

Tradução livre minha de:

terça-feira, 10 de junho de 2008

DEUS ZELOSO
Parte 2
J.I.Packer


O Antigo Testamento considera o pacto de Deus como seu casamento com Israel, que traz consigo a demanda de um amor e uma lealdade incondicionais. A adoração de ídolos e toda relação comprometedora com idólatras não israelitas, constituía uma desobediência e infidelidade, a qual Deus via como um adultério espiritual que lhe provocava ciúme e vingança. Todas as referências mosaicas ao zelo de Deus têm a ver com a adoração de ídolos de um modo ou de outro, todas possuem sua origem na sanção do segundo mandamento que citamos anteriormente. O mesmo se pode dizer de Josué 24.19; 1 Reis 14.22; Salmo 78.58, e no Novo Testamento, 1 Coríntios 10.22. Em Ezequiel 8.3, a um ídolo que se adorava em Jerusalém o chama "ídolo que provoca o ciúme de Deus". Em Ezequiel 16, Deus caracteriza Israel como sua esposa adúltera, envolvida em alianças ímpias com ídolos e idólatras de Canaã, Egito, Assíria e pronuncia a senteça que segue: "Eu a condenarei ao castigo determinado para mulheres que cometem adultério e que derramam sangue; trarei sobre você a vingança de sangue da minha ira e da indignação que o meu ciúme provoca" (v. 38; cf. v. 42; 23.25).

Por estas passagens podemos ver claramente o que Deus queria dizer quando falou a Moisés que seu nome era "Zeloso". Significa que exige daqueles a quem ama e redime, total e absoluta lealdade, e reivindicará sua exigência mediante uma ação rigorosa contra eles, se traem seu amor com infidelidade. Calvino acertou em cheio quando explicou a sanção do segundo mandamento:

O Senhor com freqüência se dirige a nós no caráter de esposo ... Assim como ele cumpre todas as funções de um esposo fiel e verdadeiro, requer de nós amor e castidade; isto é, que não prostituamos a nossa alma com Satanás ... Assim, quanto mais puro e casto seja um marido, mais se sentirá ofendido quando vê que sua esposa procura um rival; assim, também, o Senhor que nos desposou, declara que arde com ciúme mais ardente cada vez que, ignorando a pureza de seu santo casamento, nos contaminamos com concupiscências abomináveis, e especialmente quando a adoração de sua Deidade, a qual deveria ser mantida intacta com o maior cuidado, transfere-se a outro, ou se adultera com alguma superstição. Pois, desse modo, não apenas violamos nosso pacto de casamento como também contaminamos o leito matrimonial, permitindo nele adúlteros.

Ainda que, se vemos a questão na sua verdadeira dimensão, precisaremos esclarecer algo mais. O zelo de Deus pelo Seu povo, pressupõe o amor que responde ao pacto. Tal amor não é um afeto transitório, acidental e sem objetivo, antes, é a expressão de um propósito soberano. O objetivo do amor de Deus no pacto é de ter um povo na terra enquanto dure a história e, posteriormente, ter a todos os fiéis de todas as épocas consigo na glória. O amor pactual é centro do plano de Deus para o seu mundo.

E é à luz do plano total de Deus para o seu mundo que se deve entender, em ultima análise, o seu zelo. Porque o objetivo último de Deus, como declara a Bíblia, é triplo: vindicar seu governo e justiça mostrando sua soberania, ao julgar o pecado; resgatar e redimir seu povo escolhido; e ser amado e louvado por eles devido aos seus gloriosos atos de amor e autovindicação. Deus busca aquilo que nós deveríamos buscar - sua glória, em e por meio dos homens - seu zelo tem como fim assegurar completamente tal objetivo. Seu zelo é, precisamente, em todas as suas manifestações, "o zelo do SENHOR dos Exércitos" (Is 9.7; 37.32; cf. Ez 5.13) para alcançar o cumprimento de seu propósito misericordioso e justo.

Deste modo, o zelo de Deus o leva, de um lado, a julgar e destruir o infiéis entre seu povo, aqueles que caem em idolatria e pecado (Dt 6.14; Js 24.19; Sf 1.18). Ainda mais, a punir os inimigos da justiça e da misericórdia em todas as partes (Na 1.2; Ez 36.5ss; Sf 3.8). Também, seu zelo o leva, por outro lado, a restaurar seu povo, logo que o juízo nacional os tenha castigado e humilhado (o juízo do cativeiro, Zc 1.14; 8.2); o juízo da praga de gafanhotos, Jl 2.18). E o que motiva estas ações? Simplesmente, o fato de que se mostra "zeloso pelo ... [seu] santo nome" (Ez 39.25). Seu "nome" é sua natureza e seu caráter como Javé, o Senhor Soberano da história, o nome que deve ser conhecido, honrado e louvado. "Eu sou o SENHOR; este é o meu nome! Não darei a outro a minha glória nem a imagens o meu louvor" (Is 42.8). "Por amor de mim mesmo, por amor de mim mesmo, eu faço isso. Como posso permitir que eu mesmo seja difamado? Não darei minha glória a nenhum outro" (Is 48.11).

Tradução: Tiago Abdalla

Trecho extraído de PACKER, J.I. El conocimimento del Dios Santo.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

O DEUS ZELOSO
J.I. Packer

Quando Deus tirou Israel do Egito e o levou ao Sinai, para lhe dar a lei e o pacto, seu zelo foi um dos primeiros fatos que ensinou a respeito de si mesmo. A sanção do segundo mandamento, que foi dado a Moisés de forma audível e escrita "com o dedo de Deus" em tábuas de pedra (Êx 31.18), se fez com estas palavras: "Eu, o SENHOR, o teu Deus, sou Deus Zeloso" (Êx 20.5). Pouco depois Deus deu a Moisés o mesmo conceito, de forma ainda mais surpreendente: "o Senhor, cujo nome é Zeloso, é de fato Deus Zeloso" (Êx 34.14). Por se encontrar no lugar em que está, este texto se torna grandemente significativo. Fazer conhecido o nome de Deus - isto é, como sempre na Escritura, sua natureza e caráter - constitui um tema básico de Êxodo. No capítulo 3, Deus havia declarado que seu nome era "Eu sou o que Sou", ou simplesmente "Eu Sou", e no capítulo 6, "o SENHOR". Tais nomes faziam referência a sua existência própria, sua autodeterminação e soberania. Logo, no capítulo 34.5ss, Deus proclamara seu nome dizendo que o SENHOR é "Compassivo e Misericordioso, paciente, cheio de amor e fidelidade, que mantém o Seu amor ... perdoa a maldade ... castiga pelo pecado". Aqui, encontra-se um nome que destacava sua glória moral.

Finalmente, sete versículos mais adiante, como parte dessa mesma conversa com Moisés, Deus resumiu e desenvolveu a revelação de seu nome, declarando que era Zeloso (34.14). Está claro que esta palavra inesperada representava uma qualidade em Deus que, longe de ser incompatível com a exposição anterior de seu nome, era em certo sentido o seu resumo. E como esta qualidade era em um sentido verdadeiro seu "nome", é evidente que era muito importante que seu povo o compreendesse.

Na realidade, a Bíblia fala bastante sobre o zelo de Deus. Há outras referências a isto no Pentateuco (Nm 25.11; Dt 2.24; 6.15; 29.20; 32.16, 21), nos livros históricos (Js 24.19; 1 Rs 14.22), nos profetas (Ez 8.3-5; 16.38, 42; 23.25; 36.5ss; 38.19; 39.25; Jl 2.18; Na 1.2; Sf 1.18; 3.8; Zc 1.14; 8.2), e nos Salmos (Sl 78.58; 79.5). Tal fato se apresenta constantemente como motivo para a ação, seja em ira ou em misericórdia. "Serei Zeloso pelo meu santo nome" (Ez 39.25); "Eu tenho sido muito Zeloso com Jerusalém e Sião" (Zc 1.14); "O SENHOR é Deus zeloso e vingador" (Na 1.2). No Novo Testamento, Paulo pergunta ao coríntios insolentes: "Porventura provocaremos o ciúme do Senhor?" (1 Co 10.22).

Tradução livre de PACKER, J.I. El conocimimento del Dios Santo. p. 217-218

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