domingo, 24 de agosto de 2008

É possível Crer sem ser Discípulo?


Creio que em alguns artigos deste blog ficou bem clara minha visão escatológica e hermenêutica dispensacionalista. Até aqui, tenho percebido no dispensacionalismo uma perspectiva que me satisfaz, enquanto leio e procuro entender o texto bíblico.

Mas, algo me incomoda profundamente no meio dispensacionalista: a sua abordagem soteriológica. Esta dicotomia que se faz entre ter a Cristo como Salvador e não como Senhor, ou, entre crer em Cristo e ser discípulo dEle. Isso não é algo novo, já que John MacArthur (um dispensacionalista) escreveu seu livro "The Gospel according to Jesus" há quase vinte anos atrás, criticando essa visão.

Teologias Sistemáticas como a de Chafer e Ryrie, mais a proposta de Scofield em sua Bíblia com anotações, nos revelam um entendimento de que a pessoa pode ser salva, sem, necessariamente, ter Cristo como o Senhor de sua vida. A implicação é que o salvo nem sempre dará frutos de transformação pós-conversão.

Lembro sempre de ouvir João 8.31 como base para a separação do discipulado e fé. Ali pessoas que crêem em Cristo, são chamadas a se tornarem seus discípulos. Eram salvas, mas não discípulas. O problema de tal afirmação é que não leva em conta o contexto. O evangelho de João retrata pessoas que expressam uma fé em Jesus, mas não uma fé, realmente, salvadora. O próprio capítulo 8 continua narrando a conversa de Jesus com esses judeus que, supostamente, "creram nEle" e os chama de filhos do Diabo (8.44), além de afirmar que, de fato, não acreditam em quem Ele afirma ser (8.42-47).

O próprio final do capítulo 2.23-25 de João diz: " ... muitos viram os sinais milagrosos que ele estava realizando e creram em seu nome. Mas Jesus não se confiava a eles, pois conhecia a todos. Não precisava que ninguém lhe desse testemunho a respeito do homem, pois ele bem sabia o que havia no homem". O fato dessas pessoas crerem em Jesus, não significava, necessariamente, que eram salvas, pois não era uma fé que compreendia a majestade e missão da Pessoa de Jesus. Tanto que no capítulo seguinte, Nicodemos se apresenta elogiando Jesus, como Mestre da parte de Deus e o Senhor lhe declara sua total necessidade de nascer de novo, para, realmente, experimentar o reino de Deus em sua vida. Nicodemos é o retrato daqueles que creram em seus milagres: "ninguém pode realizar os sinais milagrosos que estás fazendo, se Deus não estiver com ele" (Jo 3.2), mas ainda precisava "nascer de novo" (3.3).

Por fim, o propósito de João não era apenas levar seus leitores à fé em Cristo, mas a uma fé que frutificasse em discipulado, numa vida abundante por meio de Cristo: "Jesus realizou na presença dos discípulos muitos outros sinais milagrosos ... Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome" (Jo 20.30-31).

4 comentários:

João Flores disse...

eu acho difícil uma pessoa crer em cristo e nunca dar frutos, mas e em relação a alguém que se desvia da fé?
a fé foi salvadora na vida dela, mas no momento ela não está sendo discípula, certo?

Tiago Abdalla disse...

Oi João,

concordo que todo o crente, realmente, dará frutos: "Porque outrora vocês eram trevas, mas agora são luz no Senhor. Vivam como filhos da luz, pois o fruto da luz consiste em toda bondade, justiça e verdade" (Ef 5.8-9). E "Nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mt 7.21).

Se alguém se desvia é sinal de que um dia já demonstrou frutos de conversão. Mas, mesmo desviada, ela está debaixo da disciplina de Deus, o que evidencia que a pessoa é filha legítima dEle, como o autor de Hebreu diz em Hb 12.5-11. E com tal disciplina, Deus pretende torná-la participante de sua santidade, i.e., restaurá-la. É o que ocorre com o irmão de 2 Co 2.5-11.

Às vezes, a disciplina de Deus sobre seus filhos pode implicar destruição física do corpo, até o ponto da morte, se necessário, como é o caso de 1 Co 5.1-5, 9-13.
Parece ser essa a situação em Hb 10.26ss, também. Isso NÃO significa perda de salvação, de modo algum, mas sim, perda do desfrute das bênçãos da salvação nesta vida.

Quando Deus nos salva por meio de Cristo, não faz isso apenas pra nos fornecer um passaporte para o céu, mas sim, para sermos "um povo particularmente seu, dedicado à prática de boas obras" (Tt 2.14).

abraço,

João Flores disse...

mas a minha pergunta foi:
se no momento em que a pessoa está desviada ela não está dando frutos, então ela é crente mas não está sendo discípula, certo?
se sim, então há excessão a essa regra que vc argumenta no post, entendeu?

Tiago Abdalla disse...

João,

você está caminhando para a mesma dicotomia que todo dispensacionalista caminha. A pessoa, debaixo da disciplina de Deus, sempre será discípula. Não há separação entre fé e discipulado. Você acha que é possível a pessoa viver em pecado e crer em Deus e na sua redenção? O autor de Hebreus aponta a incredulidade como a fonte da desobediência (Hb 3.12). Por trás de todo pecado há a raiz da incredulidade em Deus, a falta de fé.

Respondo a sua pergunta da seguinte forma: 1 João 3.9-10 diz que o filho de Deus não vive na prática do pecado. Segundo a sua lógica, a pessoa que se desvia, continua crente, mas deixou de ser filho de Deus, já que o filho de Deus não vive no pecado. Esse é o extremo de quem quer separar muito as coisas. É lógico que o crente que se afasta de Deus, continua sendo seu filho, mas certamente, receberá a Disciplina do Pai (Hb 12.3ss), ou pra usar o termo do discipulado, a correção do Mestre.

Entendeu que pra mim não há dicotomia entre ser crente, discípulo ou filho de Deus?

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